O campeonato do mundo começa este fim de semana na Austrália, naquele que pode ser considerado o ano zero da nova Fórmula 1. Como sempre acontece, engenheiros e projetistas deram largas à imaginação e criaram carros imponentes, agressivos e, imagine-se, mais rápidos… cinco segundos por volta! Os fãs vão gostar.
As mudanças introduzidas em 2017 são consideradas por diretores de equipa e pilotos como das mais significativas na história da Fórmula 1. As grandes alterações incidem na aerodinâmica, com a introdução de uma asa dianteira e traseira de maior dimensão, de um fundo plano 20 cm mais largo, de defletores maiores e de pneus 25 por cento mais largos à frente e atrás.
Os carros são vistosos – há quem veja semelhanças com os monolugares dos anos 80 e 90 – e bastante diferentes das aberrações criadas há cinco anos, quando as regras da FIA obrigaram os projetistas a criar assustadores ‘degraus’ na frente dos carros. A história diz que um Fórmula 1 rápido não tem que ser, necessariamente, bonito, mas é verdade que nunca houve um carro feio que fosse bom em pista.
Ainda é cedo para saber com exatidão quais as consequências do novo regulamento técnico. Mas uma coisa é certa, com o novo package aerodinâmico que aumenta o downforce em 30 por cento, a velocidade em curva é 40 km/h mais elevada, algumas curvas passam a ser feitas a fundo, e os tempos devem cair cerca de cinco segundos por volta. Para começo de conversa, nos testes de pré-época realizados no circuito de Barcelona, Kimi Raikkonen fez um tempo 3,3 segundos melhor do que a pole position do ano passado. Uma enormidade!
Ultrapassar no limite
A questão que se coloca antes da primeira corrida é saber se vai haver, ou não, mais ultrapassagens – o sal e a pimenta das corridas – agora que os carros ganharam uma agressividade que antes não tinham.
Lewis Hamilton considera que vai ser mais difícil ultrapassar. «Com maiores apêndices aerodinâmicos, os carros ficam mais rápidos e provocam grande turbulência para quem vem atrás, pelo que a hipótese de ultrapassar é menor» referiu o vice-campeão do mundo. O colega de equipa, Valtteri Bottas, tem opinião contrária, apoiando-se no fenómeno da aspiração para passar o piloto que vai à frente.
Os dois têm razão. Nas curvas rápidas, quem vem atrás não consegue andar colado ao carro da frente devido efeito dirty air. O fluxo de ar irregular que sai da traseira de um monolugar provoca grande instabilidade e a consequente perda de apoio no eixo dianteiro do carro perseguidor, numa situação extrema a saída de pista é forte possibilidade. As ultrapassagens serão mais puras e emocionantes.
Por outro lado, maior carga aerodinâmica e pneus mais largos aumentam o efeito de aspiração e as possibilidades de ultrapassar em reta usando o aileron móvel (DRS), só que isso não traz qualquer emoção às corridas. É lógico pensar que os mais virtuosos conseguem ganhar lugares nas travagens, os outros aproveitam a embalagem das retas para ultrapassar.
Outra novidade é a introdução de travões de disco em carbono mais eficazes, que aumentam em 25 por cento o poder de travagem, ou seja, os pilotos vão poder travar em cima da curva. Vai ser de cortar a respiração ver os carros lado a lado em plena zona de travagem.
A Mercedes foi quem melhor se adaptou à tecnologia híbrida introduzida em 2014, com 51 vitórias em grandes prémios, contra cinco da Red Bull e três da Ferrari. As equipas vão ter uma nova unidade de potência, composta pelo V6 1.6 turbo e sistemas de recuperação de energia, resta saber se alguém consegue acompanhar as performances e fiabilidade dos ‘flechas de prata’. Após três anos de congelamento, o regulamento técnico permite o desenvolvimento de motores ao longo da época. Começou a corrida ao armamento, e há equipas que têm como objetivo (aliciante) chegar aos 1000 cv! A sonoridade foi trabalhada para satisfação dos puristas. Este ano, o ronco dos V6 já se faz ouvir a quilómetros de distância, como nos bons velhos tempos.
Os pilotos já fizeram saber que os novos carros são mais exigentes em termos físicos, e exigem uma condução mais apurada, ou seja, são mais difíceis de conduzir. Isso é bom para a Fórmula 1 dizemos nós, pois haverá uma separação entre quem ganha no braço, e quem ganha porque tem o melhor carro.
Luta a três
A época começa na Austrália e termina em Abu Dhabi. Ao longo de oito meses, os pilotos vão passar por 20 circuitos, percorrer mais de 6000 quilómetros em corrida – o equivalente a uma viagem intercontinental – e fazer 333 curvas! Tudo isto para encontrar o sucessor de Nico Rosberg, que optou pela reforma antecipada e dourada.
Se as contas não falharem, o mundial será uma conversa entre as equipas que apresentam os maiores orçamentos: Mercedes e Ferrari com 400 milhões de euros e Red Bull com 260 milhões. As restantes equipas gastam metade do que gasta a ‘pobrezinha’ equipa de bebidas energéticas.
A Mercedes dominou as últimas três épocas, e reúne favoritismo para 2017. Os primeiros quilómetros em pista revelaram um carro rápido, potente e fiável. Lewis Hamilton quer voltar a ser a estrela da companhia, e conquistar o quarto título mundial, ao passo que Valtteri Bottas procura não ser ‘atropelado’ por Hamilton e, assim, garantir o lugar na equipa. Na Fórmula 1, o primeiro e principal adversário é sempre o colega de equipa.
A Ferrari causou forte impressão nos testes de pré-época. Sebastien Vettel e Kimi Raikkonen esmagaram a concorrência, mostrando que têm um carro equilibrado. Muita gente questiona se a Ferrari tem um motor canhão ou se fez bluff.
A Red Bull não mostrou grande coisa até ao momento, mas conta com pilotos talentosos e tempestuosos, e isso pode fazer toda a diferença. Se Daniel Ricciardi e Max Verstappen tiverem um bom chassis é certo que vão andar entre os primeiros.
Esta dupla de ‘puros sangue’ pode provocar grandes estragos, já que nenhum deles é expert em diplomacia na pista. Aos 19 anos, Verstappen é conhecido pelo virtuosismo ao volante e arrogância fora de pista, e já disse que queria ser campeão do mundo em breve.
A histórica McLaren vai ter um ano difícil por culpa da Honda, que não consegue oferecer um motor fiável e competitivo. Já se fala na substituição do motor japonês pelo V6 Mercedes.
Esta temporada marca o fim de linha para Jenson Button, campeão do mundo em 2009, e a estreia de Lance Stroll. Com apenas 18 anos, garantiu um lugar na Williams com o apoio financeiro da família, esse pa(i)trocínio paga parte do salário de cinco milhões de euros de Felipe Massa. E assim se fazem as contas na Fórmula 1 moderna… O arranque é já este fim de semana com o grande prémio da Austrália, bem cedinho… pelas seis horas da manhã (hora portuguesa) de domingo, com transmissão em direto na Sport TV5.