José Lopes: ‘Criação de posto de brigadeiro general na GNR é um presente envenenado’

Presidente da ANSG sugere que o novo estatuto beneficia mais as Forças Armadas do que a GNR e acusa Marcelo de ter cedido a pressões. 

Disse recentemente que a aprovação do estatuto da GNR, que entra em vigor em maio, foi um processo obscuro. Porquê o uso desse termo?

O direito à audição foi restritivo, deixou de ser participativo. Ao assumir essa forma, é obscuro.

Marcelo vetou, o Governo corrigiu e o Presidente promulgou o diploma, publicado esta semana, no espaço de poucos dias.

Não sabemos o que está por detrás de tamanha rapidez em aprovar, alterar e promulgar. E se falo em obscuro podia também usar o termo ‘fait diver’, porque estamos a desviar-nos daquilo que seria importante.

Porquê?

Pela análise muito rápida e transversal que fizemos do documento, há um gorar de expectativas até em termos daquilo que tinha sido prometido pela senhora ministra. Houve um compromisso da sua parte de promulgar e fazer passar o estatuto salvaguardando a aprovação de determinados despachos e portarias que iriam substanciar a concretização do documento. Mas agora ainda é necessária essa regulamentação. Por exemplo, não foram colocados prazos.

O problema é então a falta de balizas temporais para a implementação das medidas?

Sim, não basta dizer que se pode ascender [a um posto], é preciso dizer como e a partir de quando. Sem isso, há um vazio.

Tem defendido que os militares GNR estão a ser comparados com as Forças Armadas. Em que medida?

A Associação Nacional de Sargentos da Guarda assume a sua identidade enquanto militar. nós, contrariamente a outros movimentos, assumimos a dupla condição de força de segurança com natureza militar. Se isto já era assim, para quê procurar implementar e criar o posto de brigadeiro na GNR? Não é isso que faz falta, não precisamos de mais um cargo de direção ou de comando! O estatuto do militar da Guarda não é uma linha de continuidade do estatuto das Forças Armadas, não pode ser.

César Nogueira, da Associação de Profissionais da Guarda, sugeriu que Marcelo Rebelo de Sousa sofreu pressões das Forças Armadas na aprovação deste estatuto. Concorda?

Concordo completamente. Para além de ser um processo obscuro e um ‘fait diver’, parece-nos que a grande preocupação foi a criação deste posto de brigadeiro general, o que acaba por ser um presente envenenado para os oficiais da Guarda que pretendem ascender na carreira. Foram pressões feitas pelas Forças Armadas com o objetivo de ver implementado esse posto, como forma de atrasar a autonomização da Guarda.

Como assim?

A GNR tem neste momento vaga para 11 generais das Forças Armadas. Para um militar da Guarda subir ao último posto de comando, de tenente general, e assumir a liderança da GNR, agora vai ter de passar por mais um posto de brigadeiro general, pelo que atrasa-se o processo de autonomização, que é o que se pretende quando a Guarda passar a ser liderada por oficiais de carreira da GNR e não das Forças Armadas. Sendo uma escada com quatro degraus, se é dado mais um degrau, é preciso mais tempo para concretizar. Isso quer dizer que continuam a ser 11 generais que vêm das Forças Armadas, o que salvaguarda o chamado carreirismo.

O que era essencial então discutir?

Começar por analisar a casa pelos seus alicerces e, através da alteração da lei orgânica, fazer uma reestruturação funcional. Que funções é que vamos dar ao posto de brigadeiro? Há um vazio aqui. E se era importante vermos regulamentada a lei orgânica e redefinir as funções, havia outras prioridades, nomeadamente a revisão do nosso estatuto remuneratório – da mesma forma que aconteceu com a PSP. Hoje as promoções acontecem por substituição de alguém que saiu e refletem uma valorização remuneratória. Mas os militares só recebem a partir do momento em que essa promoção é publicada em Diário da República, não há retroatividade. As promoções já deveriam ter acontecido em dezembro. Estamos em março e nada.

E porquê este atraso?

Acredito que esses cortes vão servir para patrocinar esse novo posto que vai surgir.

O novo estatuto retira identidade à GNR?

Não retira nem incrementa identidade, quando o que devia estar em causa era, através do estatuto, incrementar a tal identidade. E estou a referir-me, por exemplo, à hipótese de ascensão dos militares. Se se aproveitasse o ‘know how’ adquirido ao longo da carreira em funções de maior responsabilidade, valorizava-se a própria GNR.

É uma questão de falta de privilégios?

Não, trata-se de dar o devido reconhecimento ao esforço e ao trabalho dos militares. O grande problema está na definição da estrutura – a Guarda deixou de ser coesa. E isto resulta também da falta de clareza de quem comanda: são os generais das Forças Armadas, que já se aperceberam que são personae non gratae? Não há proximidade, há sempre o fator de desconfiança.

Se não se aceita a liderança das Forças Armadas, como funciona?

Não andamos ao deus dará porque somos uma instituição de charneira. Apesar desta indefinição, a instituição tem de dar conta, por via dos valores militares, do que é a sua obrigação. Mas há funções incertas, por isso dizemos que não era necessário criar mais um posto de chefia: era preciso liderança. A liderança existente, por ser persona non grata, sente-se a mais. Já lhes disseram que queremos os oficiais da Guarda e não das Forças Armadas.

No dia-a-dia, os militares da GNR têm boas condições para desempenhar as suas funções?

Muitos dos locais são altamente deficitários, com falta de condições não só para os militares deslocados – que têm de fazer vida nos próprios quartéis – como para os civis. Mas mais problemática é a questão dos recursos humanos. A falta de pessoas influencia, por exemplo, o serviço de patrulhamento comunitário, não há meios para o fazer. Prefiro que haja patrulhamento para não me roubarem o carro do que um dia poder vir a recuperá-lo do fundo de um rio. Sem patrulhamento comunitário, essa prevenção não é possível.

Quantos elementos são precisos?

Existem serviços mínimos que é necessário assegurar: o atendimento, as patrulhas às ocorrências e o patrulhamento comunitário. O dispositivo tem de ter em consideração vários fatores, como a área e a criminalidade. No mínimo, estamos a falar de ter entre 20 a 24 elementos e há locais que não têm esse número de militares e onde a atividade se resume à manutenção e abertura do posto. Quando acontece alguma coisa, é necessário apoio de um posto que está a 100 quilómetros.

O que vos levou a agendar uma manifestação para abril?

Já havia a intenção de os militares da Guarda se manifestarem antes desta questão do estatuto. Já havia o atraso nas promoções, por exemplo. Estão em causa questões monetárias, não o negamos, mas isso faz parte das necessidades das pessoas.

E qual seria o desfecho ideal?

O objetivo é a consciencialização da opinião pública. É preciso perceber o que está aqui em causa, porque é que há falhas, porque é que quando chamam a GNR muitas vezes demoram tanto tempo a ser socorridos. E claro, queremos ver o reconhecimento do papel do militar da Guarda, através daquilo que é uma aspiração normal: a concretização da sua carreira.