Brexit. Londres anuncia estratégia para o divórcio

O governo quer incorporar a lei europeia na britânica, criando uma rede de segurança que assegure que tudo permanecerá na mesma no dia zero. Para isso quer dar poderes temporários e extraordinários aos ministros.

O executivo britânico desvendou esta quinta-feira a sua estratégia inicial para o seu divórcio com a União. O grande primeiro passo é simplesmente copiar as leis europeias para a legislação nacional, como uma espécie de espelho legal que garanta que nada de abrupto se altera entre o último dia do Reino Unido na União Europeia e o primeiro dia passado a sós.

O mecanismo parece simples e direto, mas o processo de conversão de décadas de lei europeia será complexo e um dos mais ambiciosos projetos legislativos alguma vez testemunhados no país.

E aqui entra o segundo e mais polémico passo anunciado esta quinta pelo ministro britânico para o Brexit, David Davis: conceder poderes temporários para que o governo possa modificar centenas de leis sem autorização parlamentar, adaptando-as de forma a que funcionem fora do esquema comunitário.

A proposta foi recebida com críticas da oposição, que diz que fazê-lo entrega demasiada autoridade ao governo e retira poder de fiscalização ao Parlamento.

A grande rejeição

A proposta faz parte da chamada “grande lei da rejeição”, a alcunha dada ao documento que terá de ser ainda discutido em Westminster e que entrará em vigor no primeiro dia do país fora da UE.

Davis revelou esta quinta-feira o primeiro esboço desta lei, que, por exemplo, retirará o país da jurisdição do Tribunal Europeu da Justiça e determinará que a lei de Bruxelas deixa de se sobrepôr à lei nacional. Para que nesse dia o país não caia num vazio legal, porém, Davis afirma que é preciso dar poderes temporários aos ministros. 

“Um grande número de leis – domésticas ou as que queremos converter em lei britânica – não vão funcionar corretamente ao sairmos da União Europeia, a não ser que façamos alguma coisa”, argumentou o ministro, explicando que existem centenas de regras que, por exmeplo, “dependem da ação de instituições europeias com as quais o Reino Unido por essa altura pode já não ter relações”.

Ou seja: “Considerando a grandeza das alterações necessárias e o pouco tempo em mãos, é preciso criar um equilíbrio entre a importância do escrutínio e a necessidade de corrigir os documentos estatutários a tempo”, afirmou, assegurando que os novos poderes são temporários e que Wesminster tem de dar a sua autorização ao mecanismo pelo qual serão desempenhados. 

Henrique VIII?

Está reavivada, portanto, a discussão dos últimos meses sobre quem, de entre o governo e os deputados, tem  autoridade para negociar o divórcio.

E enquanto esta quinta-feira se debatia se Theresa May deixara de facto uma ameaça velada ao acionar o Artigo 50, dizendo que a cooperação nas áreas da segurança e combate ao terrorismo podia depender de termos amigáveis –  o governo recusava-o, Bruxelas e oposição protestavam o contrário –, os trabalhistas concluíam também que, a autorizarem-se os poderes temporários, a sua voz no Brexit pode nunca ser ouvida.

Acusando os conservadores de quererem governar como Henrique VIII, o trabalhista Keir Starmer afirmou esta quinta que a proposta desvendada não inclui “salvaguardas rigorosas” para “poderes tão vastos”.