Brexit. Um olhar português a partir de Bruxelas

O Reino Unido deu ontem formalmente o pontapé de saída da União Europeia. É um processo negocial que vai arrastar-se por, pelo menos, dois anos e com um final ainda incerto mas que os dois lados (Londres e Bruxelas) esperam que seja feliz, apesar da separação.

 Para os eurodeputados portugueses, porém, o cenário que resulta desta quebra de união na união, apresenta um fundo com diferentes matizes. De fracasso da UE, a lição que deve ser aprendida para que não se repita, passando por quem admita um retrocesso, apesar de ser uma decisão impensável na atualidade, há em todos um denominador comum: há que respeitar os povos.   

Nuno Melo: Saída do Reino Unido é fracasso da UE

O eurodeputado do CDS Nuno Melo entende que a invocação do artigo 50 pelo Reino Unido “formaliza, basicamente um fracasso da União Europeia”, a qual acabou por responder “à cisão com o divisionismo de quem pretende uma Europa a duas velocidades”. 

“Em abstrato, essas duas velocidades são em si mesmo a expressão da fraqueza do atual estado do projecto comum”, acenta o também vice-presidente dos populares.

Ou seja, diz, “à saída do Reino Unido, a União Europeia respondeu com a divisão, o que não tranquiliza, só preocupa”.
“Não é uma boa notícia. O divisionismo é tudo menos uma boa resposta”, lamenta.

O eurodeputado afirma ainda estranhar as recentes declarações do primeiro-ministro, António Costa, sobre uma Europa a duas velocidades, na cerimónia que assinalou os 60 anos do Tratado de Roma.

“Estranha-se a resposta do governo português, através do primeiro-ministro, sobretudo se pensarmos que a coesão e a solidariedade são pilares do projeto comum. A aceitação de uma União Europeia a duas velocidades pressupõe que Portugal ficará no grupo da frente, o que não está garantido, e revela um egoísmo absoluto para todos os Estados que serão relegados para o outro grupo”, adianta. 

O dirigente centrista salienta que é daqueles que “entende que o Reino Unido faz falta”.
“É a essência da União Europeu que sai, num momento em que muitos dos responsáveis institucionais continuam a defender um alargamento a países que pouco têm a ver com a Europa do ponto de vista geográfico e identitário”, atira.
Lembrou também que “o Reino Unido representa um mercado de 70 milhões de consumidores e tem uma visão atlântica da Europa, coincidente com os interesses portugueses”.

“Portugal perde um aliado fundamental”, conclui.

Carlos Zorrinho: Erros devem servir de lição e não serem repetidos

“Hoje [ontem] é um dia triste para o projeto europeu, mas ao mesmo tempo é um dia em que se celebra a democracia e o respeito pela vontade dos povos”. A opinião é de Carlos Zorrinho, presidente da delegação socialista no PE.
Para Zorrinho, “a escolha dos ingleses é legítima”, não tendo dúvidas de que “os erros cometidos pela União Europeia (UE) e pelo governo do Reino Unido e que conduziram a essa decisão devem servir de lição e não serem repetidos”. 
“Considerar, como já vimos fazer à direita neoliberal que desenhou e impôs as políticas de empobrecimento e estagnação da União Europeia, que a saída do Reino Unido é um erro histórico, é um enviesamento de análise e uma posição cínica e perigosa”, assinala. 

A saída do Reino Unido da UE, assinala, “é um facto histórico lamentável”, mas não se pode esquecer que os “responsáveis são aqueles que, no Reino Unido e na UE, puseram em prática as políticas que conduziram ao divórcio do povo britânico com o projeto europeu”. 

E deixa um alerta: “Importa que não tentem repetir a receita que tão maus resultados provocou”.  

Olhando para o futuro, defende que a “UE tem de concretizar rapidamente as prioridades assumidas na Cimeira de Roma e constantes da declaração aí aprovada, designadamente no domínio da convergência, da conclusão da União Económica e Monetária (UEM), do crescimento, do emprego, da dimensão social, da promoção da segurança e da defesa partilhada e da sua afirmação como ator global, para poder partir forte para as negociações que se seguem”. 
“Uma UE forte e unida é fundamental para garantir uma negociação justa e exemplar, que respeite os dois lados e crie as condições para que nenhum outro povo europeu venha a ter razões para desejar maioritariamente deixar um projeto comum, que se forem respeitados os seus valores fundadores, é fundamental para a paz e a prosperidade da Europa e do Mundo”, diz.

João Ferreira: “Brexit comprova crescente contestação popular à UE”

João Ferreira começa por realçar que “a decisão livre e soberana do povo britânico deve ser respeitada”. O eurodeputado do PCP defende que o processo que conduzirá à saída do Reino Unido da União Europeia “não deve, em momento algum, ser baseado na chantagem ou utilizado como uma qualquer forma de punição do povo britânico”. 
Para o eurodeputado comunista, o Brexit “comprova a crescente contestação popular às políticas e pilares da União Europeia”. 

Perante esta realidade, João Ferreira considera que “seria inaceitável pretender, a pretexto do Brexit, forçar novos saltos em frente no processo de integração, visando o seu aprofundamento federal. Aprofundamento esse que, já se percebeu pelo debate em curso sobre o futuro da União Europeia, acentuaria o seu pendor neoliberal e militarista”.
O momento que a União Europeia está a atravessar deve ser encarado, no entender do PCP, como “uma oportunidade para se enfrentarem e resolverem os reais problemas dos povos, questionando todo o processo de integração e abrindo um novo e diferente caminho de cooperação na Europa, de progresso social e de paz, assente na relação entre Estados soberanos, livres e iguais em direitos”

João Ferreira entende ainda que, “no processo de negociação que agora se inicia, o governo português e os deputados portugueses no Parlamento Europeu devem “intervir para defender e salvaguardar os seus interesses e as suas relações de cooperação mutuamente vantajosas com o Reino Unido, num plano bilateral e não exclusivamente no quadro da União Europeia”. O governo não pode deixar de ter em conta “o complexo processo de negociação que se irá iniciar e que as principais potências da União Europeia tentarão determinar em função dos seus exclusivos interesses”, alerta o eurodeputado e membro do Comité Central do PCP.  

Marisa Matias: “Não vai ser um processo simples internamente”

Marisa Matias começa por deixar claro que “é preciso respeitar a vontade popular e o desejo do povo britânico. A eurodeputada do Bloco de Esquerda considera que o processo de saída do Reino Unido da União Europeia “não é uma coisa linear” e “não vai ser um processo simples internamente”. Uma das maiores preocupações da deputada bloquista está relacionada com “a questão das fronteiras e do tratamento dos cidadãos estrangeiros que de repente deixam de ter um conjunto de direitos de cidadania que estavam consagrados no quadro da União Europeia”.

Marisa Matias mostra-se também preocupada com “o processo de paz da Irlanda e o Acordo de Sexta-feira Santa, porque se a fronteira não se mantiver aberta e se as bases do acordo não se mantiverem temos ali uma situação muito complexa”. O Bloco de Esquerda defende que o Brexit é mais uma passo na “desagregação permanente” da União Europeia e deve levar a que o caminho seja com maior “democracia e transparência”. Os bloquistas defenderam, este domingo, no final da reunião da Mesa Nacional, que “é urgente preparar o país para o cenário de saída do euro ou mesmo de fim do euro”, porque “numa Europa em degradação, o nosso país não pode ficar alegremente no pelotão da frente para o abismo europeu e tem de ter capacidade de defender a capacidade produtiva da sua economia, o seu emprego e o seu Estado Social”. 

José Manuel Fernandes: “Todos perdem com a saída do Reino Unido” 

O eurodeputado do PSD José Manuel Fernandes considera que a saída do Reino Unido da União Europeia não é boa para ninguém. “É mau para a União Europeia, é mau para o Reino Unido, quer em termos económicos, quer em termos políticos. É mau também para Portugal. Todos perdem com a saída do Reino Unido”. José Manuel Fernandes alerta que este processo comporta vários riscos: “sabemos como é que isto começa, mas não sabemos o tempo que isto vai demorar, nem como vai acabar”.

O eurodeputado social-democrata não afasta a possibilidade de “daqui a dois anos poder haver um retrocesso, que neste momento é impensável. Não me admirava nada que daqui a dois anos pudesse haver um retrocesso do lado do Reino Unido. Quando perceberem que perdem mais do que aquilo que ganham, eu não sei se vão manter esta postura. Além dos problemas internos que vão surgir no Reino Unido”. Para José Manuel Fernandes, um dos problemas é a postura dos responsáveis políticos nacionais perante a União Europeia. “Costumamos responsabilizar a União Europeia e Bruxelas pelos insucessos, quando a responsabilidade da maior parte das políticas é dos líderes nacionais, que não têm a coragem de assumir as medidas mais exigentes e atiram as culpas para Bruxelas. Isto repetido muitas vezes passa uma mensagem errada para a população”.

José Manuel Fernandes lamenta ainda que não sejam valorizadas as conquistas da União Europeia. “Nem sempre percebemos que temos a maior economia do planeta e temos mais de metade dos direitos sociais do planeta. E a paz, que foi uma conquista desta união”.