«Tanta casa sem gente. Tanta gente sem casa» ou «Aqui podia morar gente» são slogans políticos bem conhecidos, mas também uma constatação que deveria preocupar-nos realmente. Mais do que vermos aqui uma crítica política, deveríamos ver a urgência social. No entanto, assim não é. Como pergunta Javier Marías, numa crónica no El País, a propósito de outro tema: «Porque vemos tudo como forma de denegrir, e nada como admiração e homenagem, ou, mesmo, como inveja sã?» Acaba, porém, concluindo, com Ortega y Gasset, que: «O malvado descansa de vez em quando; o tonto nunca!»
Ora a situação económica do País tem levado a que muitas pessoas, por excesso de dívidas ou por terem sido despedidas, deixem de ter uma casa onde morar e acabem por ter de ir morar com familiares, muitas vezes com pais, já reformados, que, com a sua pensão, sustentam filhos desempregados e netos estudantes. Também muitas pessoas, pelos mesmos motivos, ou outros, se encontram em situação de dificuldade económica, sem poderem garantir alimento para si e para os seus.
Felizmente, a necessidade é terreno fértil para a solidariedade, e há diversas instituições que apoiam estas famílias, dando-lhes comida, vestuário ou apoio financeiro. E a criatividade tem levado a que surjam projetos inovadores, que permitem garantir a estas famílias os bens essenciais, de que necessitam. Muitas vezes o que sobra a uns é exatamente o que falta a outros, e quando os bens são redistribuídos é mais fácil assegurar que todos têm, pelo menos, um pouco.
O trabalho de tantas e tantas instituições, fruto da organização da sociedade civil, ou da generosidade de alguns beneméritos, tem resultado na partilha do «pão» simbólico que a tantos falta. Como no poema de Vitorino Nemésio: «Eu sei o pão de cada dia e trago-o: / Ontem, como amanhã, já hoje mo dão; / Mas, vago, a meio da dentada, trago-o, / E não é bem o mesmo ou então não posso… // Ou pelo menos não é todo nosso / Este que levo à boca, o nosso pão.»
Mas nem só de pão vive o homem. Também temos necessidade de outros «alimentos» não materiais, como o carinho, o amor, a amizade. E há tanto de que sentimos falta…
Maria Eugénia Leitão
Escrito em parceria com o blogue da Letrário, Translation Services