A comissão de Assuntos Europeus da Assembleia da República recebeu, esta quarta-feira, o Lorde Boswell of Aynho, presidente da comissão com o mesmo nome, na câmara alta do parlamento britânico. O antigo deputado do Partido Conservador esteve presente numa audição com parlamentares portugueses para falar sobre a decisão do Reino Unido em abandonar a União Europeia e mostrou-se insatisfeito com o papel dos parlamentos nacionais – particularmente o do britânico – nas negociações entre o governo britânico e a Comissão Europeia.
“Ainda não esclarecemos tudo com o governo e este é um processo ainda em curso. [Mas] a ideia de que um governo pode avançar para negociações que afetam cidadãos e todas as vertentes da vida nacional, apenas com a participação dos parlamentos [Westminster e Parlamento Europeu] na decisão final é absurda! Temos de encontrar uma maneira de gerir isto de forma sensata e, ao mesmo tempo, garantir que todas as questões neste complexo processo são explicadas e analisadas”, defendeu Lorde Boswell.
Em declarações ao jornal i, após o encontro no parlamento, o político britânico disse que apenas prevê uma participação ou consulta dos parlamentos dos restantes Estados-membros da UE, caso isso seja especificamente previsto “num futuro acordo comercial”. “Depende de como as coisas forem concebidas. De qualquer forma, serão o Parlamento Europeu, a Câmara dos Comuns e a Câmara dos Lordes a ratificar o acordo final. Teremos de manter-nos em contacto”, afirmou Boswell.
Questionado sobre a possibilidade de a maioria tory da câmara baixa de Westminster poder ultrapassar quaisquer alterações dos lordes no acordo final, tal como fez aquando da aprovação da proposta de lei de autorização do parlamento britânico ao executivo, para a formalização do pedido de abandono da União, o Lorde Boswell mostrou-se cauteloso. “Estamos no início das negociações. Essa discussão nos lordes teve como objetivo apresentar uma preocupação séria sobre a situação dos nossos cidadãos noutros países e dos europeus residentes no Reino Unido, mas agora seguimos em frente. A importância da salvaguarda dos direitos dos cidadãos e a possibilidade de um maior envolvimento parlamentar foram expressas e compreendidas. Vamos ver como correm as negociações”, explicou ao i.
Membro não-filiado da Câmara dos Lordes desde 2010, Boswell fez igualmente questão de destacar a complexidade das negociações depois de acionado do artigo 50 do Tratado de Lisboa e confessou que “vai ser difícil negociar tudo em apenas dois anos”. Para além disso, afiançou que “a Europa continuará a tomar decisões que nos afetarão”, algo que contribui para o atual clima de “incerteza”.
Inquirido pelos deputados sobre a situação legal dos cerca de 500 mil portugueses que residem em solo britânico e que contribuem ativamente para a economia do país, Boswell garantiu que a Câmara dos Lordes vai continuar a apelar, junto do governo, à necessidade de se dar prioridade à salvaguarda dos direitos adquiridos daqueles e de todos os cidadãos europeus no Reino Unido, bem como dos expatriados britânicos e defendeu que tal não deve ser utilizado como moeda de troca nas negociações. “Os cidadãos não são peões num jogo de xadrez”, vincou. Sobre este tema, o político britânico e os parlamentares portugueses concordaram ainda sobre a importância de se desburocratizar o atual sistema de requerimento de residência permanente no Reino Unido.
Uma das principais preocupações levantadas pelos deputados dos partidos políticos presentes na audição teve que ver com o aumento do “racismo”, da “xenofobia” e dos “crimes de ódio”, após conhecidos os resultados do referendo, realizado no final de junho do ano passado. Boswell condenou todos os comportamentos discriminatórios e assegurou que grande maioria dos políticos britânicos que fizeram campanha pelo leave ou pelo remain, “são contra qualquer posição de intimidação”. Para além do mais, disse que um dos objetivos dos lordes é impedir que o Brexit desecandeie “relações confrontacionais”.
Temas como a relação a aviação civil, a energia, o terrorismo ou a segurança foram igualmente abordados numa sessão enquadrada na estratégia de acompanhamento da comissão dos Assuntos Europeus da assembleia ao Brexit, na qual Boswell também aproveitou para elogiar a relação “histórica, geográfica e política” entre Portugal e o Reino Unido, lembrando que “45 anos como membro da UE” são um “piscar de olhos numa relação de 600 anos”.