Um ano e cinco meses depois de ter anulado o concurso que selecionou três delegados regionais de forma irregular, o Ministério da Educação abriu novo concurso com critérios que beneficiam os atuais delegados, que entretanto se mantêm em funções de forma ilegal há nove meses.
O concurso que está a decorrer visa apenas as regiões onde terão sido detetadas irregularidades, ou seja, Centro, Algarve e Alentejo. E são já conhecidos os candidatos a delegado para as duas primeiras regiões. A lista de candidatos ao Alentejo deverá ser hoje conhecida.
Através das informações já publicadas confirma-se que os atuais delegados, que foram beneficiados no anterior concurso, se apresentaram novamente como candidatos ao cargo. Cristina Fernandes Oliveira é uma das 13 candidatas para a região Centro. E o mesmo acontece no concurso para o Algarve, onde Francisco Manuel Marques surge como um dos 15 candidatos.
Fontes próximas do processo explicam ainda ao i que, além dos critérios que poderão beneficiar os atuais delegados, este concurso ficará marcado por outras situações, nomeadamente a presença de diversos concorrentes sem ligação direta à área da educação.
Segundo o i apurou, nas listas está o nome de alguns autarcas e chefes de gabinete de presidentes de câmara do PS. É o caso de António Manuel Pereira Marques, que se candidata a delegado do Centro e pertence à concelhia socialista de Mangualde, exercendo ainda um cargo na junta de freguesia daquela cidade, pelo PS.
Entre os candidatos a delegado regional do Algarve estão Fernando Palma Gomes, vereador da Câmara de Faro pelo PS, e ainda António Humberto Camacho dos Santos, chefe de gabinete do presidente da Câmara de Olhão, liderada pelos socialistas.
As entrevistas pessoais aos candidatos do Centro (uma das últimas fases do processo) foram realizadas na semana passada, dia 3 de abril, e para hoje estão agendadas as entrevistas aos candidatos do Algarve. Já as entrevistas aos delegados do Alentejo deverão acontecer na próxima segunda-feira, dia 17 de abril.
Os resultados finais do concurso serão conhecidos em maio, apurou o i. A seleção dos novos delegados cabe à diretora-geral da Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE), e estes vão entrar em funções “após toda a tramitação legal do procedimento estar concluída, dentro dos prazos legais aplicáveis e consoante as vicissitudes procedimentais que vierem a ocorrer”, disse ao i o Ministério da Educação.
Critérios beneficiam atuais delegados
Fonte conhecedora do processo explica que a experiência acumulada, de forma ilegal, pelos três atuais delegados regionais será tida em conta no concurso. Outras fontes ouvidas pelo i dizem mesmo que o concurso tem requisitos definidos à medida dos atuais delegados, uma vez que será privilegiada a escolha de quem já tenha exercido cargos semelhantes.
Questionado pelo i, o Ministério da Educação já tinha assumido que o tempo de serviço acumulado pelos delegados, mesmo durante o período em que estão de forma ilegal no cargo, será contabilizado para efeitos do concurso. “O exercício efetivo de funções é, nos termos da lei, contabilizado neste tipo de concursos”, disse o gabinete de Tiago Brandão Rodrigues.
Agora, entre os critérios do perfil do novo delegado – que foram definidos pelo presidente do júri do concurso, o subdiretor-geral da DGEstE, Teodoro Roque – lê-se que será valorizada a “competência e aptidão técnica para o exercício de funções inerentes ao cargo”. Ora, este é um requisito que, na prática, apenas os atuais delegados podem satisfazer, apontam ao i fontes ligadas ao processo.
Ilegais durante nove meses
Os três delegados regionais – do Centro, Algarve e Alentejo – ocuparam o cargo de forma ilegal durante nove meses, entre abril e dezembro de 2016.
Depois de a ex-ministra da Educação e Ciência Margarida Mano ter anulado o concurso – a 19 de novembro de 2015 –, Cristina Oliveira (do Centro), Francisco Marques (do Algarve) e Manuel Barroso (do Alentejo) continuaram em funções através de nomeação em regime de substituição, ultrapassando largamente o prazo máximo determinado por lei para este tipo de situações.
Foram nomeados em regime de substituição a 17 de dezembro de 2015, quando a lei impede que todos os dirigentes da função pública se mantenham neste regime por mais de 90 dias úteis, caso não seja aberto o procedimento concursal entretanto – o que só aconteceu a 18 de dezembro de 2016.
Segundo o artigo 27.o do Estatuto do Pessoal Dirigente dos Serviços e Organismos da Administração Pública, os cargos ocupados em regime de substituição cessam “na data em que o titular retome funções ou passados 90 dias sobre a data da vacatura do lugar, salvo se estiver em curso procedimento tendente à designação de novo titular”.
E este foi mesmo o argumento usado, em fevereiro de 2016, pelo Ministério da Educação para manter os delegados em funções depois da anulação do concurso.
Como estavam ilegais, desde abril de 2016 que a tutela também deixou de ter base legal para pagar o salário aos três delegados regionais – que, de acordo com as tabelas em vigor, ascende aos 2987, 25 euros mensais, acrescidos de 311,21 euros para despesas de representação. Desta forma, caso a Inspeção- -Geral de Finanças assim o entenda, pode ser exigida a devolução dos salários pagos durante estes nove meses.
Ilegalidades do anterior concurso
Foram várias as ilegalidades detetadas no anterior concurso público, que decorreu durante a tutela de Nuno Crato. Uma delas era que o antigo diretor geral da DGEstE, José Alberto Duarte – que também presidiu ao júri que nomeou os três delegados regionais –, partilhava casa com o candidato mais bem classificado para a direção regional do Algarve. Tratava-se de Eduardo Fernandes, o então chefe de gabinete do secretário de Estado da Administração Escolar, João Casanova de Almeida, que tinha a tutela da DGEstE.
A notícia foi avançada pelo i em fevereiro de 2014 e, na altura em que se apresentou a concurso, Eduardo Fernandes ainda estava em funções na secretaria de Estado. A notícia levou à desistência imediata do chefe de gabinete e, posteriormente, a situação levou mesmo à saída do ex-diretor-geral da DGEstE.
Outra das ilegalidades detetadas dizia respeito à delegada regional do Centro, que acabou por ser escolhida tendo em curso um processo disciplinar que acabou com pena de multa disciplinar.
Na altura, alguns dos candidatos excluídos do concurso apresentaram queixa junto da Procuradoria-Geral da República, da Inspeção-Geral de Educação e do provedor de Justiça, que concordou com as críticas apontadas aos métodos de avaliação, aos prazos e ainda à constituição do júri.
O Ministério Público acabou por arquivar a queixa, mas uma das anteriores candidatas ao concurso de delegada do Centro, Maria do Céu Castelo Branco, acabou por recorrer ao Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Aveiro, que acabou por decidir em seu favor, condenando o Ministério da Educação a pagar uma indemnização de 9500 euros que ainda não foi paga.