Ao longo dos últimos anos, especialmente durante a governação PSD/CDS, agravou-se uma enorme desregulação laboral. Legitimada pelo ‘ajustamento’ e mobilizada ideologicamente pela direita, esta desregulação procurou que os custos da crise fossem transferidos do capital para o trabalho.
Isto foi feito de várias formas: desvalorizando o fator trabalho, baixando salários por via direta e indireta (supressão de feriados e dias de férias, limitação de pagamento de horas extraordinárias, etc.), atacando sindicatos e enfraquecendo a contratação coletiva, alargando o leque e os prazos para contratações a termo e precárias, reduzindo a amplitude, o valor e a duração da proteção no desemprego e das prestações sociais não contributivas (induzindo a aceitação de postos de trabalho mais baratos), descapitalizando a autoridade para as condições do trabalho, ignorando penalizações para quem recorre sistematicamente a soluções precárias e a empresas de trabalho temporário, subsidiando políticas ativas para estágios sem avaliação da empregabilidade, contribuindo para uma economia de baixos salários e de individualização das relações laborais. Isto não foi nenhuma imposição: foi – e é – o programa da direita.
Este processo esteve no centro da política de PSD e CDS. Com ele não resolveram nenhum problema de produtividade e resiliência da nossa economia, mas agravaram a dualização e a segmentação do mercado de trabalho, condenando mais do que uma geração ao limbo da precariedade, ao inferno dos falsos recibos verdes, aos estágios acumulados, aos baixos salários, à impossibilidade de emancipação e autonomia com dignidade.
Estas gerações adiadas – porque a espiral de precariedade já abrange mais do que uma – transportam um problema na vida de cada pessoa e, de forma mais ampla, representam um grave problema social. Os precários adiam a saída de casa dos pais, não têm filhos porque não têm rede e não descontam para a Segurança Social porque não têm um contrato (ou têm baixas quotizações), pelo que representam um gravíssimo problema para toda a arquitetura de financiamento do nosso sistema público de proteção social.
Ao contrário do que algumas vezes ouvimos, não há precariedade boa. A precariedade é sempre um mal e constitui uma violação do direito a um contrato estável e duradouro. A liberdade para despedir nos termos da lei e as adaptações de mercado não podem servir de justificação para manter milhares e milhares de trabalhadores com vínculos atípicos enquanto exercem uma função permanente. Essa precariedade existe para alimentar uma economia de intermediação e de flexibilização para lá de qualquer critério aceitável.
É por isso que o atual Governo vai dar o exemplo e iniciar um vasto programa de regularização extraordinária de precários. O Estado não pode ser mais exigente com as empresas privadas do que é consigo próprio. Este programa tem um valor objetivo – o da regularização das relações laborais – e tem um valor simbólico, já que o combate à precariedade volta a ser inscrito nas prioridades de um Programa de Governo 20 anos depois do primeiro processo desta natureza num Governo de António Guterres.
O PREVPAP, programa de regularização extraordinária dos vínculos precários na Administração Pública, tem estado a ser trabalhado ao longo dos últimos meses e na próxima semana já terá enquadramento legal. A mensagem é clara: queremos precarizar a precariedade. E não ficaremos por aqui.