Barcelona acordou soturna. Um manto de preocupação caiu sobre uma equipa que ainda há pouco prometia lutar até ao fim por todas as competições em que está envolvida. A derrota de Turim foi dura demais, até porque sucede a outra com foros de escândalo, em Paris, frente ao PSG, por 0-4. Não faz parte da história do clube blaugrana sujeitar-se a vergonhas consecutivas como estas. E as críticas choveram em catadupa sobre o conjunto de Luis Enrique que, neste momento, estará aliviado por ter tomado a decisão de partir no final da época.
Victor Muñoz, o Victor dos seus tempos de jogador, sentenciou ontem, na sua coluna de opinião no Mundo Deportivo, principal jornal desportivo da Catalunha, que a eliminação do Barcelona aos pés da Juventus é irremediável: “A Juventus não é o PSG! Defende melhor e tem mais ritmo na luta individual e colectiva pela bola. O Barça tem a obrigação de tentar e fazer o que estiver ao seu alcance. Mas, sejamos realistas. A missão é praticamente impossível”.
Duas derrotas consecutivas fora de casa com um total de 0-7 em golos nunca acontecera na história europeia do Barcelona, que vem do ano antiquíssimo de 1949 quando se estreou na Taça Latina à custa de uma vitória por 5-0 sobre os franceses do Stade de Reims. Na final, em Chamartín, bateu o Sporting dos Cinco Violinos por 2-1 e arrecadou o troféu.
Daí para cá, os sucessos têm sido muito mais do que os fracassos. Sendo o clube com mais jogos internacionais de todos os seus congéneres europeus, O Barcelona conta com 5 Taças/Ligas dos Campeões (curiosamente, em sentido contrário ao da sua grandeza, só venceu a primeira em 1991/92), 4 Taças dos Vencedores de Taças e 3 Taças das Feiras, a precursora da Taça UEFA, além de 2 Taças Latinas. Um registo impressionante para quem tem a presença nas meias-finais desta Liga dos Campeões tão ou mais tremida como chegou a ter a presença nos quartos-de-final.
Recordações É interessante ir à procura da fase mais negra dos catalães nas provas europeias, tendo em conta que esta é, seguramente, a pior de todas as mais recentes. Se recuarmos aos anos-70, vamos descobrir que o Barcelona conseguiu acumular cinco derrotas consecutivas na soma das edições de 1971/72 da Taça das Taças e 1972/73 e 1973/74 da Taça UEFA. Com dedo português na equação, como se pode ver: Steua de Bucareste (fora), 0-1; Steua de Bucareste (casa), 1-2; FC Porto (fora), 1-3; FC Porto (casa), 0-1; Nice (fora), 0-3. Depois, finalmente, bateria o Nice em Camp Nou, embora por uns insuficientes 2-0, carimbando eliminações sucessivascom o seu quê de humilhantes.
Nesse aspecto, a presente edição da Liga dos Campeões não tem sido assim tão má, sobretudo depois da recuperação de 0-4 para 6-1 frente ao Paris Saint-Germain.
Os 0-3 de Turim são para todos os analistas uma marca inultrapassável, mesmo tendo em conta as vicissitudes de um jogo habituado a tudo e mais um par de botas, como diz o povinho de Chão de Meninos a Vale do Grou. Rio Ferdinand, antigo central do Manchester United, comentador da BT Sport, atacou duramente o trabalho dos jogadores do Barça frente à Juventus: “Há três anos que olho para vários jogadores do Barça e não lhes vejo categoria para jogarem num clube desta dimensão. Falta-lhes qualidade e intensidade. No meio campo não há ninguém que forneça bolas aos três avançados. Assim a tarefa deles é impossível!”
A missão Impossível é uma palavra que os catalães gostariam de ver riscada do seu dicionário. E, para isso, podem recordar-se de algumas reviravoltas que ficaram sublinhadas a dourado ao longo das suas aventuras na Europa. Em 23 de Novembro de 1977, por exemplo, nos oitavos-de-final da Taça UEFA, foram a Ipswich perder por um resultado idêntico: 0-3. Um duelo entre treinadores tremendos, Bobby Robson do lado inglês e Rinus MIchels do lado espanhol. Em Portman Road, uma supresa graças aos golos de Brian Talbot, Eric Gates e Trevor Whymark. Mas, em Camp Nou, Cruyff (2 golos), Rexach (1), Neeskens e o nosso conhecido Paco Fortes atropelaram o Ipwich, garantindo o apuramento nos penaltis. Proeza que não repetiram na meia-final da mesma prova, depois da derrota em Eindhoven, com o PSV (0-3). O 3-1 da segunda mão não chegou.
Na época seguinte, recuperação igual frente ao Anderlecht: 0-3 em Bruxelas – golos de François Van der Elst (2) e de Ludo Coeck – rebatidos na Catalunha com o mesmo resultado – golos de Krankl, Heredia e Zuviria. Foram novamente os penaltis a decidir a passagem do Barcelona à ronda seguinte.
Em Abril de 1986, nas meias-finais da Taça dos Campeões, a história repetiu-se, como tantas vezes acontece. À derrota dura em Gotemburgo – 0-3, golos de Tommy Holmgren e Torbjörn Nilsson – responderam os espanhóis com outro 3-0, três golos de Alonso e uma exibição magistral de Schuster. E até os penaltis voltaram a funcionar a seu favor.
Como se vê, o Barcelona tem onde se inspirar para a missão-quase-impossível de Camp Nou, no próximo dia 19. E a lembrança da recente noite mágica com o PSG fresca na memória.