Leite. De herói dos ossos fortes a vilão das alergias

Crescemos a ouvir que o leite fortalecia os ossos, dava direito a uma noite descansada e tornava a pele mais suave. No entanto, esta espécie de santo curandeiro parece ter-se juntado ao lado mau da força, relacionando-se atualmente com casos de alergias, intolerâncias e indisposições. Não queremos diabolizar os laticínios, mas a verdade é que…

Marta Cerqueira, 30 anos

O dia em que descobri que os médicos não estudam nutrição

Pequeno-almoço sem leite não fazia parte do cenário lá de casa. Os meus pais bebiam-no com café, a minha avó com cevada e o meu irmão até diretamente do pacote, sempre que tinha sede.

Gordo quando éramos pequenos, meio–gordo já mais velhos, magro, nem vê-lo. “É muito aguado”, dizia a minha mãe. O que talvez tenha contribuído para a chegada do momento fatídico em que, determinada, me aventuro na primeira dieta da minha vida.

De papel e caneta na mão, a nutricionista começa a tirar notas. “Então, Marta, o que toma ao pequeno-almoço?” Engulo em seco antes de admitir a minha sagrada tigela de leite quente com cereais. “Mas são corn flakes”, disse eu, numa tentativa frustrada de minimizar os danos. Ao ar de reprovação da médica seguiu–se o escrevinhar das várias propostas que tinha para o meu novo pequeno-almoço: sumo de uma laranja e pão com doce sem açúcar, pão de sementes e ovo mexido ou, na loucura, umas papas de aveia. “Mas as papas são com leite, certo?”, perguntei, esperançada. Foi este o momento em que a minha mente foi obrigada a abrir-se para um novo mundo do qual fazem parte coisas como bebida de arroz, de espelta, de coco, de caju ou de soja.

A primeira semana não foi fácil, como nunca é quando o tema é dieta. Mas a verdade é que a sensação de enfartamento matinal tinha passado, o que até dava jeito, uma vez que a um corte na comida passei a aliar uma vida ativa de ginásio. Decorem esta dica: laticínios e burpees não combinam. De todo.

Passei a apreciar os novos sabores, a inventar receitas e, de repente, fazia pequenos-almoços dignos de fotos de Instagram.

A coisa fluiu e, graças aos cortes e, principalmente, às substituições inteligentes, somei dez quilos aos primeiros dez que me tinha proposto perder. Vinte quilos depois, respirava saúde e, de não correr sequer para apanhar o metro que estava quase a sair da plataforma, passei a atravessar a Ponte 25 de Abril a grande velocidade (não assim tão grande, vá) na meia-maratona de Lisboa. 

Numa das raras vezes que tive de recorrer à caixa onde guardo medicamentos, deparo-me com uma caixa intacta de Rinialer, que até ali funcionava quase como medicamento obrigatório para conseguir passar o dia sem espirros, pingo no nariz e dores de cabeça da mistura explosiva entre rinite, sinusite, alergia ao pó e aos ácaros. Foi aí que percebi que tinha mudado algo na minha alimentação que não só tinha melhorado o aspeto físico como tinha limpado os canais, habituados a uma obstrução quase total. Mas no meio de tantas mudanças, era difícil detetar o ingrediente milagroso.

Num dos zappings de fim de noite, paro numa reportagem sobre macrobiótica – algo que, à Marta de antigamente, serviria de mote para mais um zapping – e ouço pela primeira vez alguém juntar na mesma frase as palavras “leite” e “alergia”. Na minha cabeça fez-se luz e, ao mesmo tempo, gerou-se uma revolta. Tanto consultório, tanto alergologista, tanto teste e tanta vacina, e nunca nenhum médico tinha feito a simples sugestão: “Vamos experimentar tirar o leite durante uns dias para ver como se sente.” Ficar a saber, mais tarde, que não existem cadeiras de Nutrição no curso de Medicina, teve o duplo impacto: perdoei os médicos que só sabem passar receitas e culpei o mundo por esta falta de interação entre especialidades.

Mas como a minha indignação não chega para mudar currículos universitários, fico-me pelo passa-palavra nos círculos mais próximos. Quem vive comigo come panquecas com leite de arroz e bebe capuccinos de leite de soja, e no frigorífico da minha mãe já só existe leite magro. O meu irmão, esse, continua a bebê-lo do pacote sempre que tem sede.

 

Magda Pereira, 43 anos

Descobrir, por um acaso, que era o leite o causador das enxaquecas 

 Começou aos 18 a sentir fortes dores de cabeça, mas ainda era capaz de viver com isso tranquilamente. E se a gravidez deu azo a nove meses de saúde, depois disso, as enxaquecas voltaram em força, de tal forma que a impediam de trabalhar e, muitas vezes, até de cuidar do filho. “Sabia que, pelo menos uma ou duas vezes por semana, elas iam chegar”, conta ao i. A trabalhar como designer, foram várias as vezes que Magda teve de deixar o trabalho a meio e conduzir com dificuldade até casa, onde se fechava às escuras no quarto. Nos dias piores, só o vómito forçado trazia algum alívio.

“Fui a neurologistas, fiz todo o tipo de exames e a resposta era só uma: não havia nada a fazer porque não se conseguia saber a causa.” Ainda hoje admite que só ficou curada “por obra de um acaso”.

Esse acaso aconteceu num verão durante o qual o filho pequeno teve muitas diarreias, que só paravam quando o pediatra aconselhava a cortar o leite. Chegou–se ao diagnóstico de intolerância à lactose e Magda baniu todos esses produtos da despensa lá de casa.

Passou-se um mês, dois meses, três meses, e Magda nunca mais teve de sair do trabalho nem de entregar o filho aos cuidados da mãe. “Comecei a desconfiar de que, além de provocar diarreias ao meu filho, a lactose era a causa das minhas enxaquecas.” Para tirar as teimas, experimentou comer um iogurte. “As dores de cabeça foram automáticas”, refere, assim como o são sempre que se dá ao luxo de um gelado nos dias mais quentes. “Deixaram-me pensar que tinha uma doença grave e nunca ninguém me falou do leite? Chega a ser revoltante.”
 

Joana Teixeira, 31 anos

Passar das tostas com 4 fatias de queijo aos copos de leite de arroz  

 As borbulhas no peito e na cara davam dores horríveis e um desconforto enorme. O diagnóstico estava feito – acne cística -, mas não havia antibiótico que atenuasse os sintomas. “Quatro dermatologistas depois, decidi-me pela medicina chinesa”, conta ao i. Aí fizeram uma consulta de diagnóstico tão pormenorizada que até pela cor da menstruação perguntaram, lembra Joana. Mas a verdade é que só depois de tudo respondido chegou à causa do problema. “Diagnosticaram-me baço preguiçoso. Tudo o que ele não processava manifestava-se através da pele”, explica.

A acupuntura e a fitoterapia – tratamento à base de plantas medicinais – deram efeitos imediatos, mas a verdadeira mudança aconteceu quando Joana seguiu os conselhos de quem sabe e cortou nos laticínios e nos alimentos ácidos.

Se deixar de beber sumo de laranja foi tarefa fácil, o mesmo não se pode dizer do resto. Praticamente não bebia leite, mas, queijo, era vê-la fazer tostas de quatro fatias para o lanche. “Como sou obstinada, fiz um corte total, que me custou imenso e, por isso, agora dou-me ao luxo de algumas exceções.” O leite de vaca passou a bebida de arroz, o iogurte foi substituído por puré de fruta – “morango e abacate sabe mesmo a iogurte”, garante – e o queijo é luxo de fim de semana.

Ver resultados práticos espoletou a curiosidade de Joana para procurar saber sempre mais sobre alimentação. De tal forma que deixou o cargo de gestora de marca para abrir no Lx Factory, em Lisboa, The Therapist, um espaço dedicado às terapias alternativas e à alimentação saudável.