Em estado de emergência desde julho de 2016 e após uma gigantesca vaga de purgas a militares, funcionários públicos, políticos, juízes, jornalistas e cidadãos comuns, acusados pelas autoridades de estarem ligados ao líder religioso Fethullah Gulen – o alegado orquestrador da tentativa de golpe de Estado – ou a grupos terroristas curdos e fundamentalistas islâmicos, a Turquia avalia, este domingo, a liderança do Presidente Recep Tayyip Erdogan, o homem que lidera o país com mão de ferro, mas que ambiciona mais poder.
Na realidade, no referendo deste fim-de-semana, aquilo que está em causa é uma proposta de alteração constitucional, que pode transformar o sistema político turco num verdadeiro sultanato dos tempos modernos, mas dentro e fora de portas é difícil não entender a consulta como algo que não seja uma aprovação ou rejeição dos últimos meses de liderança de Erdogan, desagrilhoada do controlo parlamentar, devido ao regime extraordinário de emergência que atravessa.
O início da discussão das alterações à Constituição turca começou, ainda assim, no Parlamento, e apenas foi possível depois uma longa campanha de charme do AKP, de Erdogan junto do partido ultranacionalista MHP. Lograda a maioria parlamentar necessária, em janeiro deste ano, foi então aprovada a transformação do sistema político turco num verdadeiro Governo de um homem só.
Caso receba a necessária aprovação popular em referendo, o atual Presidente poderá manter-se à frente da Turquia até 2029 e com poderes absolutos na escolha de Ministros, em propostas orçamentais ou na nomeação de grande parte dos magistrados dos maiores tribunais e órgãos judiciais da Turquia. Para além disso, a proposta prevê a supressão do cargo de Primeiro-Ministro e a consequente ‘promoção’ do Presidente a Chefe de Estado.
As sondagens não ajudam a fazer qualquer tipo de previsão e, de acordo com o britânico The Guardian, a resposta poderá residir nos cerca de 10% de turcos que ainda estão indecisos.
Erdogan apostou forte na campanha pelo ‘Sim’, nomeadamente fora de portas. Considerando as estimativas que apontam para 5,5 milhões de expatriados turcos, a grande maioria elegível para participar na votação, o Presidente enviou representantes de topo do Governo para promover a importância do referendo no estrangeiro, uma situação que abriu frestas na relação com Holanda e a Alemanha. Mark Rutte e Angela Merkel, líderes dos Executivos dos respetivos países decidiram proibir as ações de campanha turcas em solo europeu – tal como os suecos, os suíços e os austríacos – e foram repetidamente acusados de levar a cabo «práticas nazis», por Erdogan e pelos seus Ministros.
Resoluto em acabar com o terrorismo na Turquia – o país foi palco de cerca de duas dezenas de atentados só em 2016, incluindo o assassinato de um embaixador russo em Ancara e o massacre de 39 pessoas numa discoteca em Istambul – Erdogan acredita que a concentração de poderes oferecer-lhe-á os instrumentos adequados para promover «os códigos» do Executivo: «estabilidade e segurança».
«Termos tido 48 Governos não é uma expressão da força da nossa democracia, mas da sua instabilidade», defendeu o Presidente, citado pela Al-Jazeera, num comício. Os turcos decidirão no domingo se concordam.