Que campeonato este! Sofre quem se esperaria não sofresse, erguem-se figuras secundárias… Já há campeão? Não correria o risco de afirmar tal coisa de ânimo leve. Mas não passa pela cabeça de nós todos? Vitória de Setúbal, Feirense… Que candidato resiste a estas sombras fantasmaóricas que surgem no seu próprio sótão? Um Porto triste triste, como um milhafre ferido na asa. Porto sentido, ressentido. Porto longe das vitórias e dos títulos por mais que o seu velho e ultrapassado presidente venha levantar regionalismos sem sentido e ódios que deixaram de ter lugar num Portugal que se quer diferente. Há uma nova realidade no futebol nacional? Tudo leva a crer que sim. As coisas mudam com o passar dos tempos. Os que foram donos de um universo que se pensava cristalizado, estão frente a frente com factos indesmentíveis. O Benfica será de novo campeão? Só não o será por insuportável incompetência. Fiquemos assim…
Festa?
Ainda estamos todos para perceber que raio terá passado pela cabeça de jogadores, técnicos e dirigentes do FC Porto para festejarem o empate da Luz como se de uma vitória se tratasse. É um facto que, sobretudo no segundo tempo, o Benfica foi superior, que criou dois ou três lances de golo claros e evidentes, e que Casillas fez, mais uma vez, uma exibição a merecer todos os encómios e de fazer esgotar adjectivos. Ainda assim, e apesar de ter conseguido chegar ao empate numa fase da partida em que pareceu ir ficar por cima do seu adversário, o motivo dos festejos tornou-se, quanto a mim, tão precipitado como injustificado. O próprio Nuno Espírito Santo, cuja forma de estar no futebol não me tenho cansado de elogiar nestas páginas, reconhecendo-lhe uma educação e uma serenidade que não são, propriamente, características usuais dos que costumam ocupar aquele cargo – sobretudo porque envolvidos num espírito arruaceiro que vai do director-desportivo ao adjunto imposto pelo clube, sem esquecer, até, o homem da medicina (há anos e anos envolvido em tudo quanto é salsifré que aconteça junto do relvado) – soltou no discurso de análise ao encontro uma ou outra frase triunfante de quem tinha como certo que, daí para diante, a sua equipa não voltaria a perder pontos, ao contrário do que sucederia com o Benfica.
Não foi assim, como sabemos. Perderam ambos pontos, embora os desperdiçados pelos portistas mais surpreendentes. E, entretanto, o derbi maldito veio e passou sem provocar os anunciados danos na nau catrineta encarnada. “Já mataram o seu galo/que tinham para cantar/Já mataram o seu cão/que tinham para ladrar”, dizia o velho poema da viagem tormentosa do navio Santo António de Olinda até Lisboa.
O ovo.
Também escrevi aqui que me parecia que no lado das Antas se confiava excessivamente com o ovo que iria ser posto pela galinha de Alvalade. Leia-se nas entrelinhas desta alegoria que talvez tenham exagerado os portistas na convicção das capacidades dos rapazes de Jorge Jesus para baterem o Benfica. E havia, mesmo, razões que aconselhariam o contrário. Exemplos? O facto de estar do lado dos da Luz a força anímica de transformarem o derbi num confronto da maior importância, decisivo até, cabendo ao Sporting apenas a luta pela dignidade, por mais que ela valha, e vale. Porque é habitual, quase um caso de estudo, que as águias voem altaneiramente sobre o Estádio de Alvalade, de tal forma que têm sido raras as derrotas sofridas daquele que é, para elas, o outro lado da Segunda Circular.
E assim, o derbi veio e foi, e o campeão continuou a comandar o campeonato, tal como tem acontecido de há muitos meses a esta parte. A sua confiança saiu reforçada. É o único a depender de si próprio e, acrescente-se, faltando menos uma jornada para o apito derradeiro deste Nacional de 2016/17 que pode muito bem ficar sublinhado a ouro na história já ela dourada do clube fundado na Farmácia Franco.
Convém também acrescentar, com a dose de subjectividade que isso acarreta, que o caminho inclinado dos dois candidatos até ao fim de semana de 20 de Maio parece ter mais escolhos do lado do dragão, com duas saídas no mínimo “chatas”, perdoe-se-nos a língua de trapos, a Chaves e à Madeira, onde o Marítimo se prepara para ficar sozinho como representante insular na I Divisão do futebol português. Por seu lado, ainda estará bem presente na memória de todos os benfiquistas a forma como o Estoril de Marco Silva foi à Luz tramar o Benfica de Jesus na véspera de uma ida às Antas que atirou com o nome de um jovem brasileiro para as parangonas dos jornais – Kelvin.
Luís Filipe Vieira colocou o dedo nessa ferida amarela que ainda purga na alma dos benfiquistas. Talvez também porque estranhou, como muitos de nós, o tal optimismo azul-e-branco na noite em que saíram de Lisboa com a banal alegria de apenas não terem perdido.