“Combinamos andar à porrada com a mesma facilidade que ligamos a amigos para ir jogar à bola. E não são pessoas que tenham vidas violentas. São advogados, médicos, pessoas que se juntam de propósito para participar nestes confrontos”. Foi assim que um elemento da claque sportinguista Juve Leo descreveu ao i a frequência com que episódios como o que ocorreu na madrugada de sexta-feira para sábado se realizam em Portugal. Fonte da polícia desmentiu esta informação, explicando que se tratam de episódios esporádicos.
Questionado sobre como são combinadas estas rixas, fonte da Juve Leo explica que “não há nenhuma conversa de whatsapp para combinar local e horas” para estes confrontos. “Mandamos mensagens para o facebook dos No Name [Boys, uma das claques do Benfica], como eles mandam para nós ou para os Super Dragões [claque do FC Porto]. Nessas mensagens dizemos que vamos estar naquele local, àquela hora, e todos percebem o que significa”, acrescentou o adepto sportinguista.
Mas nem sempre estes confrontos são combinados de forma tão direta: “Uma simples publicação de Facebook, como, por exemplo, alguém do Benfica escrever ‘estamos aqui a pintar a casinha’, indicia que eles estão todos juntos e que se lá formos é para haver porrada”.
Quem participa nestas rixas costuma, segundo o testemunho deste membro da Juve Leo, seguir aquilo que é conhecido como o ‘Código Ultra’, um conjunto de regras seguidos por aqueles que vivem o mundo do futebol de uma forma mais expansiva, recusando-se a ser “meros espetadores passivos”. “Segundo este código, nós podemos matar mas só com as mãos, pernas ou braços, usando a força. A utilização de quaisquer armas de fogo ou brancas é completamente proibida. O que aconteceu ao Marco [Ficini, italiano morto na madrugada antes do jogo entre o Benfica e o Sporting] foi claramente uma quebra desse código, já que utilizaram um carro para matar”, refere o mesmo adepto, que diz que os ‘spotters’, agentes especiais da PSP especializados em claques desportivas, “sabem de tudo não fazem mais porque não lhes convém, pois eles próprios têm clubes e grandes amigos dentro das claques”.
Confrontada com estas afirmações, fonte da Polícia de Segurança Pública (PSP), desmente que estes confrontos aconteçam frequentemente. “A PSP tem conhecimento do tipo de mensagens trocadas entre estes elementos e está atenta aos conteúdos das mesmas”, explicou a mesma fonte, garantindo que, ao contrário do que o elemento da Juve Leo disse ao i, os confrontos da madrugada de sábado não estão relacionados com a troca deste tipo de mensagens. “Se assim fosse, teríamos tido conhecimento”, explicou.
Confrontos após saída da polícia O i sabe que os adeptos que se encontravam nas imediações do Estádio da Luz esperaram que a polícia saísse do local para começarem os confrontos.
Antes disso, spotters da PSP estiveram no local a controlar um encontro que houve entre elementos das claques do Benfica, que combinaram estar presentes naquele sítio para proceder à troca de bilhetes para o dérbi. As forças de segurança abandonaram o local depois de os adeptos que estavam ali presentes terem começado a dispersar.
Casuals envolvidos? São muitos os episódios de violência entre adeptos das claques mais conhecidas, mas existem confrontos que começam com elementos que não aparentam ter ligação a qualquer um dos clubes – são os chamados ‘casuals’. Chegam a um estádio sem qualquer elemento que revele a sua preferência futebolística e têm como objetivo “chegar ao território inimigo sem serem detetados e ser-lhes reconhecida a coragem de ali terem ido e confrontarem o adversário. E pouco importa se dão ou se levam” disse ao semanário “SOL” fonte da polícia, em outubro, aquando dos desacatos num jogo entre o Sporting e o FC Porto. Na ocasião, cerca de uma centena de indivíduos com estas características conseguiu percorrer dois quilómetros sem qualquer controlo policial, irrompendo pela alameda das Antas, deixando um rasto de destruição por onde passaram. Sem polícia por perto, os Super Dragões decidiram intervir e envolveram-se em confrontos com estes grupos, que, segundo notícias avançadas pela imprensa na altura, estavam ligados ao Sporting.
No fim de semana passado, vários ‘casuals’ foram intercetados pelas as autoridades portuguesas, durante o clássico. Como o i apurou no local, vários grupos, compostos por cerca de 30 pessoas, foram retidos por elementos da polícia, tendo sido posteriormente obrigados pelas forças de segurança a percorrer, num passo acelerado, um trajeto junto ao estádio de Alvalade. Só depois, mediante a apresentação do bilhete, tiveram autorização para entrar no recinto desportivo.
O membro da Juve Leo disse ao i que já na noite anterior ao atropelamento, que vitimou Marco Ficini, tinham sido registados confrontos entre as duas fações de ‘casuals das claques desportivas, depois de os sportinguistas terem pintado uma casa que pertence aos No Name Boys. A mesma fonte afirma que estes grupos estão por detrás das agressões que ocorreram na madrugada de domingo junto ao Estádio da Luz. As autoridades não confirmaram esta informação.
Morte às portas da Luz Por volta das 03h00, várias dezenas de pessoas encontraram-se junto ao Estádio da Luz. De acordo com vários meios de comunicação nacionais, adeptos do Benfica e do Sporting começaram uma guerra de pedras, momentos antes de, segundo o “Jornal de Notícias”, os apoiantes leoninos terem pintado ofensas ao Benfica numa zona perto do estádio. Foi na sequência destes acontecimentos que se deu o atropelamento de Marco Ficini que, de acordo com o mesmo jornal, foi encontrado sozinho, já sem vida, no local dos confrontos. O corpo do adepto italiano mostra sinais que indicam que o carro terá passado várias vezes por cima da vítima.
Não era a primeira vez que Marco Ficini vinha a Portugal apoiar o clube português. Com ele trazia sempre grandes quantidades de materiais pirotécnicos, confirmou ao i a mesma fonte, adiantando ainda que o jovem italiano pertencendo também á claque da Fiorentina, não trazia estes materiais com o intuito de os vender, mas sim de dar à claque sportinguista, para as coreografias da mesma no interior do estádio. Recorde-se que estes materiais são proibidos em recintos desportivos.
Uma testemunha ouvida pela estão televisiva CMTV afirma que eram 02h30 quando viu uma tocha verde nas imediações do estádio do Benfica. “Estavam uns quatro carros do lado esquerdo da rotunda. Do lado direito da rotunda estavam dois carros a travar passagem. De repente, todos fecham as portas, dão marcha atrás na rotunda e voltam na minha direção”, recorda o indivíduo, que não quis ser identificado.
Segundo o testemunho dado à CMTV, adeptos do Benfica atiraram pedras contra o seu carro. Tinha colocado as mãos no ar, dando sinal de que não estava no local para participar nos desacatos. Alguns abandonaram o local para “irem atrás de adeptos do Sporting”, mas outros decidiram apedrejar a viatura em que seguia: “Começaram a atirar pedras, garrafas, tochas…Tudo e mais alguma coisa para cima do carro. Foi um milagre não terem mandado nada para dentro do carro, não me terem acertado”.
Segundo o i apurou no local, na tarde seguinte, enquanto os adeptos do Benfica se deslocavam até ao estádio de Alvalade, alguns membros gritavam “vai para a rotunda” cada vez que viam elementos com adereços do clube rival.
Os cânticos e as provocações No fim de semana anterior, durante um jogo de andebol entre Benfica e Sporting, uma claque dos encarnados recordou a morte de um adepto sportinguista, no Jamor, na final da Taça de Portugal de 1996, atingido por um very-light. “Foi no Jamor que o lagarto ardeu, na final da Taça o very-light é que o f****”, cantavam os adeptos benfiquistas. O projétil foi disparado por um membro da claque No Name Boys e provocou a morte de Rui Mendes, um adepto sportinguista de 36 anos.
Tanto a direção do Sporting como a do Benfica repudiaram este momento, emitindo comunicados a condenar situações como a que foi gravada e publicada na internet na semana passada. “São comportamentos inaceitáveis, que merecem uma pública condenação”, lia-se na nota enviada à imprensa pelo clube da Luz.
No entanto, apesar do repúdio por parte das direções do clube, vários adeptos do Benfica voltaram no sábado a entoar cânticos relacionados com o episódio do very light.