«Impotência cultural»

Esta sensação de «impotência cultural» é talvez a que sentem os artistas que procuram criar, mas sentem que o seu trabalho não é valorizado.

No entanto, apesar da falta de incentivo à produção e divulgação cultural, o Homem continua a criar. Aliás, a necessidade de criação é inerente ao ser humano. Se assim não fosse, estaríamos a viver em cavernas e não em confortáveis casas, apesar de, na realidade vivermos em «cidades cor de pérola» como se habitássemos numa «cidade voltada para dentro», como diz Herberto Hélder. Se não tivéssemos a necessidade de criar cultura, estaríamos ainda a comer com as mãos e não com elegantes talheres; a cobrir o nosso corpo com peles de animais, e não com a última moda; a observar animais desenhados na parede, e não a ver Picassos e Mirós em modernos museus, ou a assistir a filmes em salas de cinema de última geração, com óculos 3D. Teríamos, pois, perdido «a gigantesca substância / da imortalidade», nas palavras de Emily Dickinson.

Ora, se considerarmos o conceito de «cultura», como no-lo refere Manuel Antunes, ou seja, como «as conceções do mundo e da vida expressas em ideais, formas, estilos, sentimentos e comportamentos», notaremos que tal conceito se confunde, em parte, com o de civilização. E civilização é tudo o que nos rodeia; é, no fundo, o ar que respiramos.

Apesar de a citação ser um pouco extensa, considero que a ideia exposta por Afonso Cruz no posfácio de Vamos Comprar um Poeta merece reflexão. Diz o autor: «Göring disse: “Quando oiço a palavra cultura, saco do revólver”. É assim que muita gente olha para a cultura. Não é mau, é sinal que é tão importante que pode ser ameaçadora, pode fazer sacar das armas. Se a arte e a literatura não tivessem importância, ninguém se preocuparia em incendiar a biblioteca de Alexandria (repetidas vezes), destruir os budas de Bamiyan ou as ruínas de Palmira. Se a cultura não fosse verdadeiramente importante, Göring não sacava do revólver.»

Esta afirmação dá-nos a dimensão da ameaça que a cultura representa e também a sua importância para a definição de quem somos. Daí que seja uma pena vermos que a cultura, esse valor essencial, não é valorizada como elemento fundamental da organização da sociedade tecnocrática e economicista em que vivemos. Também Lobo Antunes faz uma afirmação que resume esta ideia: «A cultura assusta muito. É uma coisa apavorante para os ditadores. Um povo que lê nunca será um povo de escravos.»

Da mesma forma, também a educação, que faz parte integrante da cultura, e que é por esta alimentada, é cada vez mais subvalorizada, sendo os diplomas e certificados equivalentes a nada, sobretudo para os recém-licenciados que procuram emprego.

 

Maria Eugénia Leitão

Escrito em parceria com o blogue da Letrário, Translation Services