Não queremos uma abordagem à la Tio Patinhas, mas já que falamos do Museu do Dinheiro parece-nos mais do que justo – e previsível, vá – começar pelos números. Oito exposições temporárias (cinco de arte contemporânea, duas de arqueologia e uma em parceria com a Imprensa Nacional Casa da Moeda), 210 dias de abertura, 71 606 visitantes – o que dá uma média de 340 visitantes por dia –, 1190 atividades com 21 599 participantes e 1610 comentários no livro de honra depois, na sexta–feira passada foi o dia de soprar velas e comemorar um ano de existência.
E numa altura em que os turistas constituem o grosso dos visitantes dos espaços museológicos, é bonito deixar esta ressalva: neste primeiro ano, 85% dos visitantes do Museu do Dinheiro são portugueses. “A temática provou ser fértil e gerou curiosidade num público diversificado em que se inclui o habitual frequentador de museus, entre outros cidadãos que visitaram movidos pela curiosidade de conhecer o museu que está instalado numa antiga igreja da Baixa pombalina, inteiramente reabilitada para o efeito”, sintetiza Sara Barriga, coordenadora do Museu do Dinheiro, que acredita que o projeto está “no caminho certo” e que o impacto do museu é “o somatório dos sorrisos, dos olhares de espanto, dos diálogos nas salas, no auditório, na biblioteca, e das inúmeras questões que revelaram o interesse de crianças, professores, famílias, jovens e adultos de várias idades e origens. Fazemos, portanto, um balanço que vai para além dos números e se centra no reconhecimento dos visitantes que regressam ao museu.”
A responsável indica que a vocação do espaço é tratada de forma pluralista. “Falar sobre o dinheiro no museu é também falar de história económica, da banca, da arte, da ciência e tecnologia, da diáspora e do poder, da numismática, das trocas entre povos de diferentes origens e culturas, da necessidade de valorizar e de confiar”, diz Sara Barriga.
O slogan do museu – “Venha ver dinheiro” – vai ao encontro da mensagem da responsável e não engana, na verdade, ninguém. Por aqui pode encontrar a história do dinheiro, da moeda e da banca, e ainda testemunhos da relação das pessoas com o dinheiro. Além disso, as instalações do museu – que ocuparam a antiga Igreja de São Julião, paredes-meias com os Paços do Concelho – têm um bónus: o acesso a um troço da muralha de D. Dinis. Classificada como monumento nacional, esta é a única muralha medieval de Lisboa. Soterrada após o terramoto de 1755, foi (re)descoberta em 2010 durante a remodelação da sede do Banco de Portugal e é um dos pontos de interesse do local, cuja entrada permanece gratuita.
A visita ao Museu do Dinheiro é, portanto, transdisciplinar e tem apenas um senão: as instalações só estão abertas de quarta a sábado.
Para ver
Se a muralha não vai a lado nenhum, o mesmo não se pode dizer das mostras que vão usando as paredes de S. Julião como estalagem. De entre as exposições temporárias que por aqui já passaram, foquemo-nos na que foi inaugurada nos princípios de abril e estará patente até 10 de junho: “Francisco d’Holanda: Desejo, Desígnio e Desenho (1517–2017)”.
Se nunca ouviu falar do personagem, não se menospreze. É que, apesar do peso indubitável de Francisco d’Holanda na história portuguesa, a verdade é que as marcas do humanista são apenas descobertas por quem as procura, e não por quem nelas tropeça – uma realidade que a exposição quer mudar.
Mas como se faz uma exposição a partir de uma vida que deixou uma marca indelével na cultura em Portugal mas que, como personagem, passou quase despercebido entre os pingos da História? Com alguma imaginação mas, sobretudo, com a vontade firmada de gerar curiosidade em torno de Francisco d’Holanda, nascido há 500 anos. Mas quem foi este homem com nome de outra terra nascido em Lisboa? Qual foi o seu papel na vida artística do reino? Que legado – e inspirações – deixou?
É para dar resposta a esta e outras questões – e, sobretudo, para criar novas dúvidas junto do visitante – que o Museu do Dinheiro serve de abrigo às comemorações dos 500 anos do nascimento do humanista.
A exposição conta com a curadoria de Francisco Providência, Gabriela Casella e Margarida Cunha Belém. Os três curadores e responsáveis pelo projeto expositivo tropeçaram na vida deste homem por três vias distintas. Francisco conheceu Francisco através do design; Margarida, das belas-artes; e Gabriela, da história da arte.
“Muita gente só se depara com Francisco d’Holanda quando se põe a estudar Miguel Ângelo”, conta Margarida Cunha Belém.
Foi durante uma espécie de Erasmus antecipado uns séculos que Francisco d’Holanda, filho de um iluminista e bolseiro do rei, havia de tornar-se maior e que o tal encontro com um dos nomes maiores do Renascimento surgiria. Os relatos das conversas podem ser ouvidos na exposição, que conta também, por exemplo, com esquissos de um projeto da ponte de Sacavém, que nunca seriam construídos mas que serviriam de inspiração, centenas de anos mais tarde, para o Aqueduto das Águas Livres. Entre as suas obras destaca-se o tratado “Da Pintura Antiga” (1548-1549) que, como outras pérolas, foi levado para Espanha durante a ocupação filipina.
Um homem com muitas artes por dentro talvez seja a forma que melhor assenta ao homenageado. Afinal, cresceu como homem em pleno Renascimento e foi uma das maiores figuras do movimento cultural em terras lusas – mas não só. Pintor, desenhador, arquiteto, iluminista, ensaísta e idealista.
Até 10 de junho, o museu tem planeadas diversas atividades em torno da exposição que podem ser consultadas na sua página oficial.