Fora logo no início de janeiro de 2010 que os investigadores tentaram chegar à fala com Duarte Lima. Na ausência de outro canal de comunicação, Nascimento decidiu enviar uma mensagem através do site pessoal do advogado, a Linha do Horizonte. A resposta surgiu alguns dias depois, a 14, e com um pedido de desculpas: «Permita-me que apresente as minhas desculpas, mas só ontem à noite vi o email que me enviou para o meu site pessoal».
De seguida, Duarte Lima informa o polícia que já respondera por fax a algumas questões, pedindo que todo e qualquer esclarecimento adicional fosse colocado por email, até porque se encontrava fora de Portugal.
O investigador responde às 9h35 do dia seguinte, solicitando que tal contacto acontecesse por telefone. Afirmava ainda que o fax inicialmente enviado por Duarte Lima tinha sido relevante, mas que agora eram necessários mais alguns detalhes.
O advogado português demora três dias para responder e reitera que prefere comunicar por correio eletrónico com a Divisão de Homicídios. O investigador reagiu ao fim de oito minutos, às 16h13 do dia 18: «Mais uma vez obrigado pela resposta. Como salientei no email anterior, gostaria que, se fosse possível, o senhor marcasse dia e hora para que possamos entrar em contacto via telefone, ocasião em que poderia equacionar nossas dúvidas».
Outros três dias e surge o novo email de Duarte Lima, às 19h17 de 21 de janeiro: «Sr. Comissário Aurílio Nascimento: Amanhã, sexta -feira, tentarei entrar em contacto com V.ª Ex.ª num dos seguintes horários (hora de Portugal) em que é quase seguro que terei disponibilidade: entre as 11h30 e as 12h; caso não consiga, entre as 17h e as 17h30».
Nascimento e Rogério foram cedo para a sala da Avenida Presidente Vargas. Dado o fuso horário, Duarte Lima poderia ligar logo no início da manhã. E assim foi. Quando o telefone tocou, Nascimento estava com um cigarro aceso. Não o apagou.
Nota: A reconstituição da conversa em baixo foi feita com base em documentação e notas escritas dos investigadores.
Comissário Aurílio Nascimento (A.N.): Alô…
Duarte Lima (D.L.): Olá, bom dia.
A.N.: Bom dia.
D.L.: Eu gostaria, por favor, de saber se é possível falar com o senhor comissário Aurílio Nascimento.
A.N.: É ele.
D.L.: Senhor comissário, fala Duarte Lima.
Após os cumprimentos iniciais, o investigador tenta começar logo a fazer as perguntas que deram origem àquela chamada. A maioria tinha um objetivo, o de perceber como foram as últimas horas da vítima até ao momento em que o advogado sabia. Duarte Lima era uma testemunha muito importante.
A.N.: Bom, o doutor, o senhor sabe que motivo da nossa ligação, é com respeito aí, à morte da senhora Rosalina Ribeiro. Então, quer dizer, já tem hoje quase 40 dias da morte dela e a gente precisa acelerar. Com relação à questão de sigilo que o senhor tinha falado, eu acredito que agora a gente não pode mais levantar essa questão por… por causa do falecimento dela, ou eu estarei errado?
D.L.: Em Portugal não é assim, senhor comissário. A questão do sigilo impõe -se. É sempre necessário, mesmo com a morte do cliente, fazer um pedido à Ordem dos Advogados do levantamento do sigilo profissional. De modo que, embora me pareça que o que me levou a tratar com ela não é relevante para o desaparecimento… mas esse é um juízo que compete aos investigadores, como é obvio, em última instância.
A.N.: Certo.
D.L.: Tanto quanto eu falei com o senhor inspetor Celso, eu irei fazer um depoimento em inquérito, não é verdade?
A.N.: Isso.
D.L.: Portanto, talvez fosse útil informarem-me exatamente, para previamente solicitar à Ordem dos Advogados, qual a matéria sobre a qual querem que solicite o levantamento do sigilo profissional.
A.N.: Ah. Certo. O senhor viria ao Brasil prestar este depoi…
D.L.: Eu tenho sempre de fazer o pedido à Ordem, em qualquer das circunstâncias.
A.N.: Sei. Mas o senhor pretendia vir ao Brasil prestar esse depoimento?
D.L.: Eu não tenho prevista nenhuma deslocação ao Brasil, senhor comissário.
A.N.: Não tem previsão?
D.L.: Não, não tenho previsão. Neste momento, não tenho nenhuma deslocação ao Brasil, de modo que teremos que fazer o depoimento aqui.
A.N.: Ah. Aí seria por carta rogatória?
D.L.: É, tem de ser por carta rogatória, penso que não há outro expediente. Falei disso em dezembro, logo antes do Natal, com o senhor inspetor Celso.
[…]
A.N.: Queria lembrar ao senhor o seguinte: tem algumas perguntas que podem parecer para o senhor inconvenientes, ou que não estão relacionadas ao assunto, mas para a gente fazem sentido, entendeu? Só vai entender para quem ‘tá trabalhando na investigação, ok?
D.L.: Se eu puder, faça favor…
[…]
A.N.: Como é que a dona Rosalina ficou sabendo que o senhor estava no Brasil?
D.L.: Uma semana antes eu tinha-lhe dito que eu iria ao Brasil e quando ela soube que eu iria ao Brasil, pediu imediatamente que reservasse tempo para estar com ela.
A.N.: E ela entrou em contacto com o senhor como?
D.L.: Nós falámos várias vezes por telefone. Ela normalmente telefonava -me com bastante regularidade.
A.N.: O senhor lembra o telefone que ela ligou para o senhor? Se foi telefone móvel ou telefone fixo?
D.L.: Isso eu não tenho noção, senhor comissário.
A.N.: Ah. E o senhor lembra o dia que ela entrou em contacto com o senhor?
D.L.: Não. Ela ligava para mim com regularidade.
A.N.: ‘Tá, mas ela entrou em contacto com senhor antes de o senhor chegar ao Brasil ou quando o senhor já estava no Brasil?
D.L.: Não. Ela entrou em contacto comigo antes de eu chegar ao Brasil.
A.N.: Ah. Aí o senhor informou a ela que viria ao Brasil?
D.L.: Exatamente.
[…]
A.N.: ‘Tá. O senhor quando esteve aqui no Brasil, alugou carro?
D.L.: Aluguei, sim senhor, senhor comissário, aluguei um carro.
A.N.: O senhor lembra qual é a empresa em que alugou o carro?
D.L.: Tenho que ver as minhas notas em Lisboa. Neste momento não me lembro do nome da empresa.
A.N.: Ah, e o senhor dirigiu o carro ou tinha motorista?
D.L.: Eu dirigi o carro, senhor comissário.
A.N.: O senhor se hospedou onde, no Rio?
D.L.: Eu vou lhe fazer uma pergunta, qual é a natureza dessa conversa? Eu estou sendo ouvindo já em inquérito? Eu não estou a perceber…
A.N.: Não, não, a gente está conversando, ‘tá? Só que é o seguinte. O crime de homicídio, o senhor tem experiência disso – né? –, é advogado… Estes crimes são, na verdade, um quebra -cabeça. Tem peças que ficam lá na pontinha do quebra -cabeça e tem outras peças que ficam principais, entendeu? E a gente precisa montar um panorama todo. Muitas vezes, como eu lhe falei, no início da nossa conversa, eu terei de fazer perguntas que o senhor talvez não entenda e não ache pertinente, mas que para a investigação é pertinente, entendeu? O senhor ficou hospedado aonde no Rio?
D.L.: No Hotel Sofitel.
A.N.: Sofitel. Em Copacabana, né?
D.L.: Exatamente.
A.N.: Ah. O senhor encontrou com a dona Rosalina no dia 7. Foi esse o único encontro que senhor teve com ela no Rio?
D.L.: Foi o único, senhor comissário. Aliás, ela tinha-me pedido e marcou numa determinada hora.
[…]
D.L.: [Nesse dia] ela estava à espera de umas informações que lhe chegariam para tratar de determinado assunto que ela foi tratar em Maricá.
A.N.: Na América?
D.L.: Não, Maricá, Maricá.
A.N.: Estados Unidos?
D.L.: Não…
A.N.: Ah! Maricá, Maricá. Entendi. Maricá.
[…]
A.N.: ‘Tá. E quando ela marcou o encontro qual foi o endereço que ela lhe deu, como é que o senhor ia encontrar com ela? O senhor não conhece o Rio, né?
D.L.: Ela pediu que a encontrasse junto da casa dela e eu sei onde é a casa dela, porque várias vezes a deixei, nas outras vezes que fui ao Brasil. Deixei -a e apanhei -a na porta da casa dela em Copa… na Praia do Flamengo.
A.N.: Então o senhor apanhou ela na porta da casa dela?
D.L.: Sim. Ela estava… ela já estava um pouco mais à frente da porta dela.
A.N.: Ah. E como é que ela falou para o senhor esperar nesse ponto?
D.L.: Não estou a perceber, pode repetir, senhor comissário?
A.N.: Quando ela marcou com o senhor, ela marcou um ponto de encontro, ‘tá?
D.L.: Ela marcou…
A.N.: Como é que ela disse, como deu as coordenadas para o senhor, para o senhor esperar ela naquele ponto?
D.L.: Ela não deu as coordenadas. Marcou para encontrar no quarteirão junto da casa dela.
A.N.: No quarteirão junto da casa dela?
D.L.: Sim, eu sei qual é o número da casa dela, que é o sessenta, não é?
A.N.: ‘Tá. Isso, sessenta. E… aí o senhor parou e ficou, o senhor estacionou, não, né?
D.L.: Não, eu vi-a e ela viu -me imediatamente quando chegou o carro.
A.N.: E ela sabia qual era o carro em que o senhor estava?
D.L.: Não, mas eu vi a senhora dona Rosalina junto da esquina da rua, parei o carro e mal eu parei o carro ela identificou -me imediatamente.
A.N.: Ah. No quarteirão dela mesmo, né?
D.L.: Exatamente.
A.N.: Ah. E dali o senhor lembra o local que foram? O senhor… o senhor percebeu se vinha alguém perto dela? Alguém próximo dela?
D.L.: Não. Ela estava a andar com muita naturalidade, quando eu cheguei junto do lugar onde ela estava e não me apercebi, senhor comissário, de ninguém junto dela. Não estive atento a esses pormenores, a esses detalhes, não é?
[…]
A.N.: Ela falou para o senhor que iria chamar um táxi para levá -la a Maricá [no final da reunião]?
D.L.: Exatamente. Parece que ela tinha um táxi que ela costumava chamar com alguma regularidade, quando precisava.
A.N.: Hum… Então ela não chegou a chamar esse táxi.
D.L.: Não chegou a chamar porque eu disse: se a senhora quiser, eu não tenho compromisso nenhum, posso levá -la. E ela aceitou.
[…]
A.N.: Ah, ‘tá. Deixe eu lhe falar, o senhor teria certeza desse nome Gisele, porque aqui no Brasil tem muitos nomes femininos parecidos, né? Gisele, Michelle, Gabriele, enfim, seria realmente Gi…
D.L.: Senhor comissário, eu não quero fazer certezas absolutas. Eu diria, quase com certeza, que sim, que esse era o nome, porque eu ouvi várias vezes. Inclusive, a dona Rosalina durante o caminho falou com ela, por um telemóvel, informando que estava a caminho.
A.N.: Ela ligou para a pessoa e falou que estava a caminho?
D.L.: Exatamente, por um telemóvel. Ela disse -me que era um telemóvel que nós aqui chamamos telemóvel de carregamento. Em brasileiro, os senhores chamam telemóvel a crédito.
A.N.: Isso.
[…]
A.N.: Certo. A dona Rosalina teria comentado, com pessoas amigas dela, que o senhor teria passado a informação para ela de que o telefone dela estaria «grampeado» [sob escuta]. Isso é correto?
D.L.: Não, senhor comissário. Eu vou dizer -lhe o seguinte: a dona Rosalina tinha muito pouca confiança no telefone dela, mesmo em Portugal, porque às vezes ligava-me de Portugal e dizia: «Estou -lhe a ligar da estação dos correios.» E, portanto, ela tinha pouca confiança nas comunicações, eu só me apercebi que ela tinha este telefone brasileiro em viagem, porque ela própria me confidenciou, eu já disse isso ao doutor Normando.
[…]
A.N.: Ela um dia antes ou no mesmo dia em que ela desapareceu, durante o dia, ela entrou em contacto com pessoas conhecidas, amigas dela, ela tem várias amigas aqui, não sei se o senhor sabe.
D.L.: Sei.
A.N.: Que são também portuguesas, né? O comentário dela vindo a nós através das amigas foi o seguinte: ela estava em contacto com o senhor e o senhor teria marcado com ela dizendo que uma pessoa iria encontrar com ela e que era para ela não comentar isso com ninguém.
D.L.: Oh, senhor comissário…
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A conversa entre Duarte Lima e Nascimento é interrompida. Neste momento, cerca de 30 minutos após ter tido início, a ligação caiu. As respostas dadas por Duarte Lima estavam a criar ainda mais dúvidas na cabeça dos dois investigadores – isto porque Rogério tinha estado a ouvir tudo.
Era o carro, o facto de ter dito que Rosalina tinha consigo um telemóvel de que nunca ninguém tinha ouvido falar (e do qual não havia carregadores em casa), era o não haver um ponto de encontro específico. Havia muita coisa a não bater certo ali, tendo em conta o que fora recolhido durante os primeiros 40 dias da investigação.
Após novas tentativas, Nascimento conseguiu continuar as perguntas. Sabia que já tinha feito muitas, mas ainda faltavam outras tantas. Tinha de aproveitar esta oportunidade para saber a versão da última pessoa conhecida a ter estado com a vítima em vida.
[…]
A.N.: Certo. Não, eu lhe adianto que seria necessário [o levantamento do sigilo profissional], porque a gente, quer dizer, isso daí não foi um roubo, não é? Vingança a gente não descartou por completo, mas o foco principal é toda essa coisa que envolve aí herança, inventário, interesses de A, B ou C e muito dinheiro, não é? Só aquela fazenda vale mais de vinte milhões de dólares. […]
D.L.: Eu sei, eu sei.
A.N.: E outras coisas, os outros bens em Portugal e tal enfim, né? Então tudo o que puder vir ao nosso conhecimento, ao inquérito, a gente vai analisar, entendeu? Vai filtrar para poder chegar efetivamente a quem teve participação direta nisso. Porque a Lei aqui no Brasil considera hediondo, insidioso e cruel o assassinato de uma pessoa de setenta anos, entendeu?
D.L.: A nossa Lei também, senhor comissário.
A.N.: Entendeu? E da forma como foi. Uma senhora de setenta e quatro anos, levada a um local ermo, rural, onde não existe nada, enfim, e executada friamente.
D.L.: Pois é, isso é claramente obra de profissionais, não é?
A.N.: Isso.
A conversa tinha chegado ao fim e ficara a promessa de novos contactos para o esclarecimento das questões que ainda não tinham resposta. Ou por falta de autorização da
Ordem dos Advogados, ou por Duarte Lima ter de consultar os seus arquivos: era o caso, por exemplo, do local onde alugara o carro e do número de telemóvel de Rosalina que tinha.
A 9 de fevereiro, porém, ainda não tinha chegado qualquer outra comunicação e os dois polícias decidem enviar um email com 14 perguntas.