A dinâmica da oposição ao novo governo americano pertence às ruas. A marcha das mulheres em Washington é prova disso. Cerca de 500 mil pessoas protestaram contra Trump na capital, no mesmo lugar onde o presidente americano tomou posse e um dia depois de o ter feito – o número é três vezes maior que o da cerimónia. À volta de 400 mil manifestantes lançaram-se na mesma contestação em Nova Iorque, e centenas de milhares noutras cidades. Ao todo, perto de 2,5 milhões de pessoas manifestaram-se naquele que foi o primeiro dia oficial da “era Trump”. Não mobilizados pela oposição do Partido Democrata, em minoria, desorientação e semi–irrelevância, mas por um apelo mais vasto em nome da defesa da igualdade de género, direitos das mulheres, da comunidade LGBT, imigrantes ou movimentos de igualdade racial. Foi a construção de um movimento progressista abrangente contra o sentimento nacionalista que permitiu a ascensão do novo presidente.
As ruas não pararam desde então. Nos primeiros cem dias de governo organizaram-se 366 manifestações com entre 3,7 e 6,4 milhões de pessoas, de acordo com uma investigação do site Vocativ. Nenhuma repetiu a força da marcha das mulheres, mas há razões para crer que o Dia do Trabalhador se aproxime. Há mais de dez anos que o May Day norte–americano se transformou sobretudo num dia de luta pelos direitos dos imigrantes, que Donald Trump diabolizou ao longo da campanha. Aos grandes movimentos latinos, porém, este ano juntam–se dezenas de outros grupos da mesma frente progressista que protestou a 21 de janeiro. Como o Black Lives Matter, por exemplo, nascido dos protestos contra a violência policial sobre comunidades afro-americanas e entretanto transformado em tema fraturante do discurso político americano: enquanto os democratas de Hillary Clinton exigiam igualdade racial na sua convenção de campanha, os republicanos de Trump pediam respeito pela polícia.
Herança Em Los Angeles, por exemplo, mais de cem organizações juntaram-se à coligação do May Day (o feriado do Dia do Trabalhador celebra-se em setembro), quando o normal é existirem apenas 40 ou 50 grupos. “Esta mobilização não é como as outras”, conta ao “The Nation” Jorge-Mario Cabrera, o presidente da coligação, segundo o qual existem novos movimentos progressistas a quererem participar. Jack Darin, que lidera o satélite da organização de integração racial NAACP em Chicago, diz que o seu grupo vai participar pela primeira vez nos protestos do May Day por influência das marchas das mulheres em Washington. “Algo que me atingiu desde as eleições é esta vontade de ver os movimentos intersetarem-se”, conta. “Os nossos membros vêm a forma como a nossa luta e objetivos interagem com estas outras famílias.”
Poucos esperam uma mobilização tão grande como a de 2006, o ano em que o May Day americano se transformou e mais de meio milhão de pessoas marcharam, só em Los Angeles, contra a reforma da imigração que os republicanos de George W. Bush tentavam fazer passar no Congresso, ameaçando criminalizar a ajuda a um imigrante sem autorização de trabalho no país. A reforma não passou, mas o movimento que se iniciou em 2006 também não conseguiu o seu objetivo mais vasto: facilitar o acesso à cidadania para os cerca de 11 milhões que trabalham ilegalmente nos Estados Unidos. Sinal da era de Trump, a luta dos movimentos de imigrantes modificou-se substancialmente. Já não se protesta pela reforma da lei, mas contra as grandes deportações, a construção de um muro no sul ou a guerra decretada por Trump contra as cidades com políticas mais inclusivas. Os trabalhadores imigrantes passaram a “ladrões de empregos”. Em todo o caso, as palavras dos imigrantes latinos que protestaram em 2006 mantêm-se válidas: “Hoje, marchamos. Amanhã, votamos.”