ALMATY – As arenas são sempre lugares onde o espetáculo não se desperdiça. Sabem-nos os artistas de ginjeira, como diz o povo, e não fogem à responsabilidade de encantar o seu público. Quando Ricardinho, o Ricardo Filipe da Silva Braga, que nasceu no Porto no ano de 1985, Setembro o mês, tocou pela primeira vez na bola na final da UEFA Futsal Cup que opôs a sua equipa do Inter Movistar à do Sporting Clube de Portugal, previa-se de imediato algo que mexesse com o jogo e com as pessoas em redor dele. Sofreu uma falta. Em pouco mais de três minutos já tinha sofrido duas. Os jogadores leoninos conhecem a sua manha, a sua forma intermitente de estar e não estar ao mesmo tempo, a maneira como salta, de repente, para uma situação inesperada como aqueles velhos bonecos do Jack-in-a-Box com mola por baixo saindo da caixa para assustar e encantar a pequenada. É isso que eu queria dizer. Ricardinho encanta e assusta. De uma espécie de sonolência exibida lá por baixo da sua figura pequena, escondendo-se perto do seu guarda-redes, com a necessidade de estar lá no momento do primeiro toque do lance que se desenvolverá, primeiro na sua cabeça e, depois, no espalhar do campo, há qualquer coisa de lúdico, de infantil, de mágico, afinal, que é assim mesmo que lhe chamam.
Há sete anos, no Pavilhão Atlântico, vi Ricardinho ganhar a sua primeira Taça dos Campeões Europeus de futsal, se é que assim se lhe pode muito antiquadamente chamar, jogando pelo Benfica, seu clube de então. Era fundamental naquela equipa encarnada que acabou por ser, até agora, a única equipa portuguesa a ficar com o troféu. Deixemos isso, por agora. Onde quero chegar é que o tempo também passou visivelmente pelo homem que parece ter mãos no lugar dos pés, tal a desenvoltura com que, com ambos, afaga a bola, a trata com um carinho enlevado de amor infinito antes de, de repente, a golpear com a ferocidade dos raivosos. Ricardinho é hoje mais perfeito. Ou melhor: mais aperfeiçoado. Não sente a necessidade continua do número circense, do truque, da prestidigitação. É um mágico que requintou o seu acto sem que isso impeça de deixar boquiabertos aqueles que o observam com atenção na tentativa de perceber como é que tudo aquilo tem lugar numa realidade muito mais comezinha, no fundo a realidade dos outros jogadores que o rodeiam, seja como adversários, seja como companheiros. Na final da Arena de Almaty, a forma como foi saudado por um coro de admiração e de aplausos sempre que fez o obséquio de nos presentear com uma chicuelina, com uma manoletina, ou com uma… ricardina, que é assim que se deveriam chamar as suas reviengas de toureiro em traje de luces, prova à saciedade que o seu nome é fixado por todos, de Vila Pouca de Aguiar a Karagaj, que não é assim tão longe daqui para quem toma a estrada que caminha para sudeste em direção à fronteira com a inimitável China.
Numa equipa feita à sua medida, com uma qualidade individual e coletiva impressionante, capaz de nos mostrar coisas absolutamente fora do alcance daqueloutras três que com ela disputaram esta final-four, Ricardinho pode dispensar o exagero dos seus movimentos impossíveis de beija-flor. Não os perde, porque fazem parte da sua natureza, mas refina-os. Fez uma ou outra coisa do arco-da-velha mas, na fase decisiva do encontro foi, como diria o Carlos de Os Maias dos ingleses, essencialmente prático. A forma como em três pontapés distantes, na fase em que o Sporting jogava com guarda-redes avançado (e que foi a 15 minutos do fim!), marcou dois golos de uma certeza irrepreensível, marcaram a sua exibição em Almaty. Levou consigo a taça que lhe fugia há sete anos. E sabemos todos como tão bem a merece. Não é o melhor do mundo por capricho. Ou é… Mas por capricho de quem lhe deus uns pés que parecem mãos.