Como nasce um génio?

Acontece na pintura, na literatura, na música. Como nasce um génio? É de repente, é de um dia para o outro? Muitas vezes assim parece. De repente surge um nome novo, de que nunca tínhamos ouvido falar e do qual toda a gente fala.

Vem isto a propósito da exposição de Hockney, que vi esta semana em Londres. E da política, como explicarei mais à frente.

Uma pessoa começa a fazer o seu trabalho, a sua criação; e esse trabalho vai sendo apreciado e reconhecido em pequenos círculos: na família, nos amigos, entre pares, no meio profissional onde o artista se move, na universidade, nos media, nas elites.

Depois, essas pessoas vão falando umas com as outras, vão comentando positivamente o nome do artista e a obra. A palavra vai-se espalhando, chegando-se a um consenso muito favorável sobre certa pessoa.

Para o grande público parece que foi de repente; mas não foi. Foi a solidificação de um consenso que começou por ter lugar em pequenos círculos que, somados, deram origem a um grande consenso. O qual se torna depois patente e manifesto, visível, para o grande público.

O pintor David Hockney (nascido em 1937, em Inglaterra) vivia preocupado, entre outras coisas, com a representação da água. Como pintar a água em movimento.

Esta pergunta é constante ao longo dos séculos: muitos artistas a fizeram. Mas a resposta que ele deu foi nova. Em cima do azul, desenhou umas figuras geométricas, a branco, amarelo e cor-de-rosa. O resultado é extraordinário.

Ou seja, a uma pergunta persistente que perseguia os criadores, ele deu uma resposta nova e espetacularmente eficaz.

Assim, um belo dia, toda a gente começou a falar nele. Mas antes de toda a gente o fazer, já em pequenos círculos o seu trabalho era falado, comentado e muito apreciado.

Na política não há génios, salvo honrosas exceções, mas sucede exatamente o mesmo no caminho que é percorrido.

Vem isto a propósito de muitas vezes ler ou ouvir que em determinado partido «não há ninguém». Isto é falso.

Na política, nos partidos, os políticos começam por fazer pequenas intervenções, em pequeníssimas assembleias, fazem discursos para plateias escassas, escrevem em blogues, nas redes sociais, são ativistas de causas, vão granjeando o reconhecimento dos colegas do seu próprio partido, dos restantes partidos, dos vizinhos, da família, dos amigos, dos colegas de trabalho. Depois passam para jornais ou para televisões, têm tarefas de maior responsabilidade e visibilidade. Isto é, vão acumulando reconhecimento público, devido à qualidade do trabalho que desenvolvem.

Quando, finalmente, chegam ao grande público, já eram conhecidos e apreciados por muita gente. Esses políticos são o somatório de muitas boas vontades. Para surgirem, é preciso que muita gente qualificada esteja de acordo. Que se reúna um grande consenso à sua volta

Um grande político é aquele que faz perguntas que inquietam muita gente, às quais dá respostas novas e audazes – e que sejam eficazes. Nem toda a gente vai gostar dessa pessoa, mas vai ter muita gente com ela.

Há sempre gente a fazer o seu caminho.

sofiarocha@sol.pt