Eleições. Dinheiro que veio do frio para os bolsos de Marine Le Pen

Segundo uma investigação revelada pelo site francês Mediapart, a Frente Nacional tem sido financiada por dinheiro proveniente de bancos russos. Esses empréstimos teriam sido negociados com o aval do Kremlin e a intervenção de um conselheiro do círculo próximo de Vladimir Putin, o oligarca e senador Alexandre Babakov

Foi no dia 17 de março de 2016 que se encontraram num local, com vista para o lago Léman, na Suíça, longe dos olhares do público, dois homens, um francês e um letão. Este último chama-se Vilis Dambins e o seu nome apareceu no escândalo Panama Papers. É um antigo banqueiro de perfil duvidoso. Segundo o site de informação francês Mediapart, que investigou o financiamento da extrema-direita francesa, ele é normalmente usado por um homem do Kremlin para algumas manobras financeiras mais complicadas. O conselheiro de Putin que usa os seus serviços para manobras políticas e financeiras mais discretas seria o senador Alexander Babakov, homem de confiança do presidente russo, encarregado das relações do Kremlin com partidos estrangeiros. Do outro lado da mesa neste encontro está Jean-Luc Schaffhauser, eurodeputado da Frente Nacional e presidente de uma fundação que recolheria dinheiros para apoiar o partido de extrema-direita.

O encontro entre os dois homens tem caráter de urgência devido a uma complicação não prevista: a Frente Nacional tinha tido acesso a um empréstimo de 9,4 milhões de euros em 2014. Esse dinheiro fora disponibilizado pelo First-Czech- -Russian Bank (FCRB). O partido de extrema-direita contava com um outro empréstimo dessa instituição financeira para fazer face aos gastos da campanha presidencial de Marine Le Pen em 2017. Mas houve um acontecimento que precipitou a necessidade da reunião urgente de Vilis e Schaffhauser: seis dias antes da reunião perto do Léman, o FCRB perdeu a licença para operar e foi intervencionado pelas autoridades bancárias russas, depois de ter sido descoberto um buraco de 497 milhões de euros. Era, pois, preciso encontrar outro banco que assumisse a tarefa de emprestar dinheiro à Frente Nacional.

Segundo os conselheiros de Marine Le Pen, tratava-se de uma questão meramente pragmática: os bancos franceses tinham recusado emprestar dinheiro ao partido e era preciso ir buscar os fundos necessários para a batalha eleitoral noutras paragens.

Mas ser financiado por bancos russos exigia alguns cuidados políticos. A questão de um eventual apoio de Moscovo teria de ser descartada e estava, portanto, excluída a intervenção de bancos russos de primeira grandeza. O próprio Jean-Luc Schaffhauser justificou a escolha do empresário letão ao Mediapart: “Vilis fez várias propostas de bancos de segunda linha. Isso era necessário por nós não querermos pedir um empréstimo a bancos russos de topo, porque isso seria entendido como um apoio político.” É esta a linha de argumentação do eurodeputado da FN: a campanha precisava de fundos, os bancos franceses não emprestavam, era preciso arranjar bancos estrangeiros discretos que o fizessem. Daí a necessidade de contar com um intermediário, como Vilis Dambins, que conhece bem as várias possibilidades.

Uma semana depois da primeira reunião, Vilis encontra- -se outra vez com os homens da Frente Nacional. Desta vez, segundo o site Mediapart, a reunião dá-se em Paris e acompanha o tesoureiro da Frente Nacional, Wallerand de Saint-Just, o advogado Didier Bollecker.

Três meses depois da reunião na Suíça dão-se os primeiros passos para conseguir os apoios financeiros necessários. A executiva do partido de extrema- -direita francês aprova por unanimidade o pedido de um empréstimo de 3 milhões de euros ao banco russo Strategy Bank, uma casa de reputação duvidosa, várias vezes investigada por branqueamento de capitais e lavagem de dinheiro. Mas abate-se sobre o negócio um segundo azar: o Strategy Bank perde também a sua licença de operar em 26 de julho de 2016.

Vilis reúne-se mais uma vez com os franceses em Paris, no Hotel Península, a 4 de novembro de 2016; mais uma vez é indicado um novo banco à Frente Nacional. Desta vez é o NKB Bank. Azar dos azares, ou suspeita incompetência das incompetências, esta casa financeira é também fechada pelo crime de “financiamento ao terrorismo”. No entanto, o dirigente da FN não nega ter recorrido aos préstimos e conselhos de Babakov: “Sou obrigado a trabalhar com gente que representa interesses públicos e sabia que Babakov é um patriota”, justificou ao Mediapart.

A própria Marine Le Pen já teria encontrado Alexander Babakov, reunindo-se com ele, numa viagem que foi mantida confidencial, em fevereiro de 2014, altura que foi desbloqueado o primeiro empréstimo à Frente Nacional, no valor de cerca de 9, 4 milhões de euros.

A estrutura usada para conseguir encontrar estes veículos de financiamento para a extrema–direita francesa é a Academia Europeia, dirigida por Jean-Luc Schaffhauser, que recebeu 250 mil euros duma rede de sociedades offshore ligadas a Babakov por intermediar esse trabalho. No dia 29 de junho de 2014, dois russos foram formalmente admitidos na estrutura dessa fundação dirigida pelo eurodeputado francês. Mikhail Plisyuk e Alexander Vorobyev são dois homens que pertencem ao Instituto de Integração Internacional, ligado à Organização para um Acordo de Segurança Coletiva, uma estrutura político-militar semioficial russa.

A publicação francesa, no seu trabalho de investigação, revelou que algumas posições dos eurodeputados da Frente Nacional sobre a situação na Ucrânia e a incorporação da Crimeia na Rússia foram previamente comunicadas a Moscovo. E que houve uma abundante troca de emails, nomeadamente dando a conhecer previamente as intervenções da líder do partido, Marine Le Pen.

Recentemente, a 23 de fevereiro de 2017, a um mês da primeira volta das eleições presidenciais francesas, Vladimir Putin recebeu no Kremlin a candidata da Frente Nacional, Marine Le Pen, de quem Donald Trump disse ser a candidata mais forte em matéria de fronteiras. O mandatário russo não quis declarar publicamente a sua preferência, mas disse que Le Pen representa “um espetro político europeu que se desenvolve muito rapidamente”. Com rublos, parece.