Esta imagem e o vocábulo nela gravado têm uma descodificação imediata. A palavra «certificado», impressa num rolo de papel higiénico, é uma paródia evidente da desvalorização que atingiu, atualmente, a formação superior.
Infelizmente, para a maioria dos jovens, um «canudo» já não é sinónimo de melhor futuro, de um emprego, tal como lhes garantiam os seus pais ou, sobretudo, os seus avós. Quantos jovens licenciados não trabalham em call centres, em supermercados, estão desempregados ou se viram forçados a emigrar, ou a continuar a sua formação no estrangeiro, por falta de investimento na investigação em Portugal?
Esta «caricatura» dos nossos dias, pintada nas Escadinhas de S. Cristóvão, mostra bem a inventividade destes jovens sem esperança, destes jovens a quem o País roubou o futuro e a esperança de trabalho na área em que estudaram. A área em que os mesmos jovens, durante três ou cinco anos, foram alimentando o sonho de poderem tornar-se profissionais.
Formar jovens para, depois, os enviar, em fornadas, para o estrangeiro – é isto que queremos? Qualificar jovens para, depois, lhes tirarmos qualquer ilusão de trabalho – é isto que, como país, desejamos? Almejamos vê-los partir e ficar sós? «Sós. / De dia e de noite. Sempre sós», na solidão extrema que as palavras de António Gedeão descrevem?
E não são só os jovens que padecem com esta situação. Muitos são os adultos que se encontram sem emprego. Numa fase madura, mas ainda sem idade suficiente para se reformarem, foram engolidos pelo turbilhão gerado pela crise e por todas as decisões das empresas, servindo-se desta desculpa, para substituir empregados mais caros (por terem mais experiência e estarem na empresa há mais tempo) por jovens sem qualificações. E muitos destes adultos possuem certificados e mais certificados de formação profissional, anos e anos de experiência, e muita vontade de se sentirem úteis e de continuarem a alimentar as suas famílias. Sentem-se, pois, numa situação de «desesperançada» esperança, de dicotomia entre o que sentem que valem e a imagem que a sociedade lhes devolve, entre aquilo que vivem na realidade e a ilusão que continuam a viver nos seus pensamentos. Como diz Craveirinha: «Estou só / mas viajo no pensamento»… É esta a liberdade, interior, que, no fundo, assegura a sanidade mental e alimenta a coragem para viver, com ânimo e dignidade.
Quanta injustiça há numa sociedade que se organiza em torno de lugares ocupados pela sorte, pelos conhecimentos, pelo acaso, pelas influências… Uma sociedade em que a alegria de uns se alimenta da tristeza de outros, uma tristeza tão profunda como só Sophia de Mello Breyner Andresen conseguiria descrever: «Me dói a lua me soluça o mar»…
Podemos, porém, alegar que, sem um certificado, mais difícil ainda se tornaria encontrar um emprego. É certo que assim é, mas nem sempre assim foi. O que mudou foi que mais estudo não equivale a mais produtividade, mais formação não equivale a mais oportunidades.
Mesmo assim, há quem considere que tudo vale a pena, mesmo que a vida seja mais difícil, e que a tristeza deva, sempre, ficar para depois…
Maria Eugénia Leitão, Escrito em parceria com o blogue da Letrário, Translation Services