Ao som de Also sprach Zarathustra, de Strauss, somos conduzidos pelo Google Earth até à periferia de Oslo, na Noruega. A cena que introduz o filme é caricata, indo repescar uma sinfonia apoteótica e injentando-a no mais mundano dos softwares. Ole Giæver representa-se a si mesmo, por meio de um vídeo diário intercalado por múltiplas imagens de arquivo: referências a jogos de computador, desenhos animados, arquivos da sua infância e juventude. Tudo serve para contar uma história; aparentemente, a sua. Sem rumo nem propósito exactamente definidos.
De certa maneira, há uma poética na imagem que nos recorda “A Árvore da Vida“, de Malick. Não é que a câmara dance tanto e de maneira tão encantadora; não estamos ao nível do deslumbramento. Mas é semelhante a forma como se reflecte sobre a passagem do tempo, as relações familiares, a história do universo, a importância dos pontos de interrogação, e o sentido das coisas. Há paralelos entre ambas as narrativas. Se “A Árvore da Vida” aponta para um propósito espiritual, e sugere uma finalidade quase religiosa que ultrapassa a nossa existência, “Fra Balkongen” fá-lo de uma perspectiva mais assumidamente científica e auto-reflexiva. Saltitamos entre a ausência de sentido e uma dança que nos faz sentir vivos, entre a velocidade estrosférica da evolução da espécie humana e as passagens em câmara lenta em que se salta do cais para a água, ou num trampolim e de mão dada.
É um filme que capta o espírito da contemporaneidade, e as perguntas cada vez mais comuns no seio da cultura humana no século em que vivemos. A procura da paz numa existência contraditória. Ole celebra o Dia da Constituição Norueguesa, mas sabe rir-se de si mesmo enquanto o faz; continua a cantar canções de Natal à volta do pinheiro, embora lamente o vazio que sente naquela época do ano. Ama os filhos e aproveita cada momento com eles, mas já não sabe exactamente como amar os pais. É um humano deslocado, com uma auto-consciência dolorosa, que improvisa canções e faz meta-reflexões sozinho em quartos de hotel. Fala sobre pintura, o holocausto, aventuras, família, a morte do tio e o fim do sol.
“Fra Balkongen” é um álbum de recortes, ritmado e inquietante. Não é que traga nada de radicalmente novo ao nível da linguagem cinematográfica, mas sintoniza-nos connosco próprios, e não desiste de procurar redenção nas pequenas coisas. A procura da beleza passa pela música de Enya, Rufus & Chaka Khan, e dos Modern Talking. Passa ainda pelas cócegas, pelo aprender a andar de bicicleta e pelos beijos no balcão da cozinha. Não é alheia à beleza a procura de novos hábitos, a observação das rotinas dos vizinhos, e o desejo de querer descobrir o mundo inteiro (sem ter o incómodo de sair do mesmo lugar).
Ser-se humano passa por se ser capaz de fazer perguntas triviais e existenciais com poucos segundos de intervalo; Ole Giæver ilustra esta nossa condição com mestria, numa linguagem refrescante e motivadora.