Macron. O político inexperiente triunfou na exigente França

Candidato independente logrou uma vitória histórica sobre Le Pen, nas presidenciais francesas, com cerca de 65% dos votos, e prometeu lutar contra o “enfraquecimento moral” do país

Quem acompanhou o discurso de Emmanuel Macron há cerca de quinze dias, após garantida a passagem à segunda volta das eleições presidenciais de França, encontrou um candidato radiante, festivo e a transbordar de euforia. Ontem, depois de confirmado como o próximo presidente da República Francesa, após uma campanha invulgar que culminou num desfecho histórico, em todos os sentidos – quem não franziu o sobrolho quando o jovem e inexperiente ex-ministro da Economia de François Hollande, com apenas 39 anos, anunciou, em novembro do ano passado, a sua candidatura ao Eliseu? –, foi um Macron de rosto fechado e circunspecto – muito “presidencial”, dir-se-ia – que apareceu, pela primeira vez, diante das câmaras para agradecer a confiança depositada pelos seus eleitores e mostrar abertura para ouvir os que votaram em Marine Le Pen.

“Qualquer que tenha sido a vossa escolha, quero dirigir-me a todos. A minha responsabilidade é juntar todos [os franceses] e entrar em ação. Sei que alguns escolheram votar na minha adversária, por raiva e angústia. É a minha responsabilidade trazer-vos de volta, protegê-los e garantir a segurança do país”, afiançou o líder do movimento En Marche!, prometendo “defender sempre França” e pelejar contra o “enfraquecimento moral” que diz ter tomado conta dos franceses e da política nacional. “Com humildade e devoção, servirei a França em vosso nome”, garantiu Macron, já de olhos postos nas eleições legislativas, marcadas para o próximo mês.

Já em frente ao Louvre, em Paris, horas depois do primeiro discurso, o próximo chefe de Estado de França foi bastante mais exuberante. “Aquilo que conseguimos não tem precedentes, disseram que era impossível. Obrigado pelos riscos que tomaram [por mim]”, agradeceu Macron.

Para a História ficam cerca de 65% da totalidade dos votos no independente, contra perto de 35% da candidata da extrema-direita que, mesmo tendo conseguido convencer mais de 10 milhões de franceses a confiar nela, fica bem abaixo dos 40 pontos percentuais definidos como objetivo mínimo para esta segunda ronda. E para a História fica também uma taxa de abstenção próxima dos 25%, a mais alta desde 1969, e cerca de 12% de votos brancos ou nulos, sendo que, para este dois últimos dados terá contribuído certamente o posicionamento irredutível de Jean-Luc Mélenchon e dos eleitores da França Insubmissa, de não participarem na eleição decisiva.

Explicações para a vitória de Macron não faltarão. Um misto de competência e sorte fazem certamente parte do menu, mas um estudo da Ipsos ajuda a perceber melhor como o centrista chegou ao topo da política francesa. De acordo com aquele inquérito, 43% dos participantes justificou o seu voto em Macron para travar Le Pen, ao passo que 33% apostaram na renovação política. O programa eleitoral (16%) e a personalidade (6%) do candidato do En Marche! foram menos tidas em conta para justificar a escolha no ex-banqueiro.

Extrema-direita cai mas faz história

Marine Le Pen perdeu as eleições e, depois do que se verificou na Áustria (dezembro) e na Holanda (março), a extrema-direita ficou uma vez mais arredada dos principais cargos de poder europeus, pelo que se compreendem os suspiros de alívio de figuras como Angela Merkel ou Jean-Claude Juncker, nos agradecimentos a Macron. A verdade, porém, é que em França as forças nacionalistas, protecionistas e anti-UE conseguiram o mais elevado resultado de sempre obtido por um candidato presidencial apoiado pela Frente Nacional. Não estranhou, portanto, que a candidata de 48 anos tenha apontado ao futuro, na hora de conceder a derrota, escassos minutos depois de conhecidas as primeiras projeções.

“Chamo todos os patriotas para se juntarem a nós. A França necessitará deles todos, agora mais do que nunca”, apelou Le Pen, elogiando o “resultado histórico” – subiu quase 15% em relação ao resultado obtido na primeira ronda – e reclamando o estatuto de “principal força da oposição em França”. Marine lamentou a escolha do “candidato da continuidade”, mas mostrou-se disposta a continuar a liderar o combate do “patriotismo contra a globalização”. E, para tal, promete uma “profunda transformação da Frente Nacional” e a criação de “uma nova força política”.

É de História que se fala, é certo, mas de História em andamento. A consagração dos movimentos antissistema e o consequente afundar dos partidos tradicionais em França não ficará congelado com os resultados de ontem. Le Pen e Macron sabem-no e já olham para a frente. Reino Unido (junho) e Alemanha (setembro) serão os próximos a ser testados, neste atribulado ano eleitoral de 2017.