O excesso de tolerância leva à morte de quem é tolerante.
O paradoxo não é desconhecido. Karl Popper escreveu sobre ele em A Sociedade Aberta e os seus Inimigos: «Devemos reclamar, em nome da tolerância, o direito a não tolerar o intolerante».
Em Portugal, onde há deputados do Partido Comunista que consideram a Assembleia da República «uma prisão de que é urgente libertamo-nos», talvez fosse boa ideia distribuir uns livrinhos do sr. Popper pelos autointitulados reclusos.
O PCP, que nega todo o modo de vida de uma sociedade decente e aberta, não merece lugar num parlamento que se pretenda democrático, plural e verdadeiramente tolerante.
Na vontade dos seus seguidores, não havia parlamento, nem deputados, nem outros partidos. Na vontade de qualquer comunista, aliás, o ato eleitoral não deve passar de um incómodo. Aqueles que lutam por um partido único não veem outra possibilidade que não seja, naturalmente, a da sua eternização.
A ideia de que o nosso PC se trata de uma exceção democratizada, comparticipante da normalidade constitucional e respeitadora das instituições pela sua veia estatista é, no mínimo, absurda.
Em primeiro lugar, porque o estatismo comunista, do ponto de vista ideológico –, o tão saudado domínio total do Estado na política, na economia, na cultura e na religião – ambicionava, na sua génese, um domínio total para depois anular totalmente o Estado – um ponto a que nem as ditaduras do proletariado mais resilientes chegaram: o dia em que os apparatschik abdicassem do aparelho. E o que seria deles a seguir, não é verdade?
Em segundo lugar, porque a comparticipação do PCP na democracia portuguesa, apresentando-se a eleições, fazendo campanha e votando propostas, não democratiza em nada a sua origem ou a sua visão de sociedade.
A ver se nos entendemos: um comunista é um comunista. Não há versões ‘light’ ou com bolinha de mentol para apertar no filtro do cigarro.
A sua defesa do que se passa na Venezuela, onde as pessoas têm tanta fome que comem animais do jardim zoológico e o dinheiro desvalorizou tanto que as notas são pesadas em balanças de pastelaria, é prova disso. Mesmo que muita imprensa ainda olhe para tudo o que está à esquerda do Partido Socialista como só «a esquerda» e não como uma esquerda radical ou extremista, que é aquilo que ela é.
Ser comunista, hoje, é aceitar um fardo histórico de milhões de mortos, torturados e famintos. É rejeitar a derrota que a natureza humana e que o século XX trouxeram com a queda da cortina de ferro.
Quando António Costa constituiu a ‘geringonça’, clamando o fim de um muro, o problema não foi de legitimidade legal, mas de responsabilidade política: não é grande proprietário aquele que abre a porta da rua a quem quer rebentar a casa.
Quando Arménio Carlos cita os argumento do sr. Putin para atacar os Estados Unidos e o PCP escolhe a Rússia à defesa dos homossexuais perseguidos na Chechénia, também vemos que o mundo e o comunismo mudaram muito pouco.
Aqueles que preferem o Ocidente à nostalgia soviética, que preferem o parlamento português à plataforma popular bolivariana, que preferem a NATO ao Exército Vermelho e a paz da União Europeia à paz inexistente devem pronunciar-se. Devem relembrar Popper e salvar a tolerância daqueles que desejam aproveitar-se dela.
A outra opção é começar a ligar para o jardim zoológico e reservar as zebras de melhor lombo.