O semblante carregado de Emmanuel Macron no primeiro discurso da noite de domingo, que o consagrou como o mais novo presidente eleito de sempre da história política francesa, foi um olhar para o futuro. Conquistado o mais alto cargo político do país, o antigo ministro da Economia de François Hollande lançou, logo ali, mãos à obra na campanha para as eleições legislativas, marcadas para os dias 11 (primeira volta) e 18 (segunda volta) de junho.
Macron sabe melhor que ninguém que a entrada no Palácio do Eliseu, por muito “impossível” ou “sem precedentes” que possa ter sido – de acordo com as suas palavras, lançadas para o mar de apoiantes que se juntou em frente ao museu parisiense do Louvre -, de pouco ou nada lhe servirá para poder governar a França e implementar o seu programa político, que “não é de esquerda nem de direita”.
O sistema constitucional francês é de natureza presidencialista e, nesse sentido, caberá ao presidente Macron conduzir o poder executivo. Mas o exercício dessa competência depende da participação conjunta de um primeiro-ministro, de um governo e, naturalmente, de um parlamento que, para além de ter de aprovar a escolha do executivo e seu líder, é o principal garante da ação legislativa. É precisamente a constituição desse enquadramento que está em causa quando os franceses forem chamados novamente às urnas, no próximo mês, e que fixou a atenção de Macron de forma imediata.
Habitualmente, o sentido de voto dos franceses não se altera substancialmente nas eleições para a Assembleia Nacional. Mas no meio das infinitas variáveis que fizeram desta eleição presidencial um momento ímpar na história eleitoral francesa, há alguns que se destacam. E não são favoráveis a Macron, pelo que há mesmo quem diga que a vitória nas presidenciais foi o passo mais fácil.
Em primeiro lugar, o presidente eleito não tem um partido. Como se sabe, Macron concorreu apoiado pelo movimento centrista que criou há apenas um ano e que, enquanto plataforma política, nunca participou numa eleição. O abandono da liderança do En Marche!, esta segunda-feira, e o rebatismo daquele como La République en Marche! fazem, pois, parte da hercúlea tarefa com vista à identificação de candidatos, junto da sociedade civil e de outras famílias políticas, para concorreram pelos 577 círculos eleitorais do país e, com isso, transformarem um partido que ainda não existe na maior força política de França, num período ligeiramente superior a um mês.
Em segundo lugar, Macron terá de lidar com uma sociedade fraturada. O apelo imediato à unidade do país e à luta contra o “enfraquecimento moral” da política francesa, dirigido aos que votaram em Marine Le Pen “por raiva e angústia”, é um claro sinal de que o antigo banqueiro, de 39 anos, tem perfeita noção da necessidade urgente de maquilhar rapidamente essa fratura. Numas legislativas que serão jogadas sobre o tabuleiro da dicotomia direita/esquerda, mas onde os dois finalistas das presidenciais insistem em fazer campanha pelas grandes batalhas entre patriotas e globalistas, liberais e protecionistas, pró-UE e anti-UE, Macron não terá vida fácil para guiar os franceses na sua direção.
Em terceiro lugar, o próximo presidente – entrará em funções no próximo dia 14 de maio – deve muito do seu sucesso eleitoral de domingo à união das forças anti-Le Pen. Segundo uma sondagem Ipsos, 43% dos seus participantes justificaram o seu voto em Macron para travar a eleição da extrema-direita, ao passo que 33% apostaram na renovação política. Por outro lado, o programa eleitoral (16%) e a personalidade (6%) do candidato do En Marche! foram menos tidos em conta para justificar a escolha de Macron. Cumprida então a missão de afastar Marine da presidência, eleitores e representantes dos partidos derrotados na primeira ronda tenderão a voltar a focar-se nos seus umbigos. E apesar de o estudo OpinionWay/SLPV, realizado para o “Les Echos”, ter apontado para uma conquista de 249 a 286 lugares, caso não consiga uma maioria parlamentar, a plataforma política de Macron poderá ser obrigada a coabitar com um primeiro-ministro de uma outra força política – o mesmo inquérito coloca Os Republicanos no segundo lugar da votação, com 200 a 210 deputados.
Neste sentido, nomes como o do ex-ministro da Educação François Bayrou ou da diretora do Fundo Monetário Internacional, Christine Lagarde, que têm sido sugeridos pela comunicação social francesa como as preferências de Macron para o cargo de primeiro-ministro, podem encaixar no perfil necessário para merecer o apoio da Assembleia Nacional.
Emmanuel Macron terá, assim, uma agenda preenchidíssima para os próximos dias. Entre cerimónias – como a de ontem no Arco do Triunfo, junto de Hollande, em homenagem ao Soldado Desconhecido e em celebração da libertação francesa do jugo do regime nazi -, escolhas de candidatos, nomeações de ministros e ações de campanha, o novato da política francesa chega à presidência sem mãos a medir. E com uma montanha por escalar.