A notícia, embora não fosse uma surpresa, caiu como uma bomba. Para percebermos o impacto, façamos a tradução para a política nacional: seria como, daqui a alguns anos, António Costa dizer que o PS morreu e que queria concorrer pelo partido que entretanto Mário Centeno criou, antes de vencer as eleições presidenciais.
O ex-primeiro-ministro de François Hollande, e até há pouco tempo socialista, Manuel Valls, afirmou a sua vontade de concorrer pelo novo partido político do presidente Emmanuel Macron, Republicanos em Marcha: “Serei candidato pela maioria presidencial”, garantiu Valls numa entrevista à estação de televisão RTL.
As declarações do homem que foi derrotado nas primárias socialistas por Benoît Hamon não foram bem recebidas por alguns elementos da equipa do novo presidente. A presidente do partido de Macron, a gestora Catherine Barbaroux, já tinha garantido na segunda-feira que a maioria dos candidatos aos 577 lugares de deputados pela nova força política seriam escolhidos entre “elementos da sociedade civil sem nenhuma experiência anterior em cargos eleitos”.
Fontes da equipa de Macron garantem que Valls ainda não é membro dos Republicanos em Marcha e, se for, terá de ser tratado como qualquer outro candidato a candidato. “Escute, ele não foi investido pela comissão nacional de investidura. Sendo assim, não é candidato (…) Terá de apresentar a sua candidatura como qualquer um, as regras são iguais para todos. Não o fez, mas restam ainda 24 horas. O procedimento é igual para toda a gente, incluindo o de um ex primeiro-ministro”, afirmou o porta-voz do República em Marcha, Benjamin Griveaux, à Europe 1,.
Valls afirmou ter a intenção de se inscrever no novo partido e não acha poder ser considerado um traidor. O antigo primeiro-ministro não nega que a sua decisão está associada ao sucesso de Macron, mas explica que o programa do vencedor das presidenciais coincide com aquele com que ele concorreu, e foi derrotado, no Partido Socialista francês. “Sou um republicano, sou um homem de esquerda, continuo a ser um socialista, não vou renegar 30 anos da minha vida política, mas exerci responsabilidades e sei como é difícil governar França.”
Para esta mudança de partido contribuiu tanto o êxito de Macron como o insucesso eleitoral do candidato presidencial do Partido Socialista, Benoît Hamon. Aliás, Valls fez campanha contra ele na primeira volta das presidenciais ao afirmar publicamente que iria votar em Emmanuel Macron. Valls considera que é impossível voltar para um partido que é irreformável. “Este Partido Socialista está morto, há que o deixar. Sejamos claros, é a hora de garantir uma maioria [na Assembleia Nacional francesa] a Emmanuel Macron.” Quando confrontado com as conhecidas divergências que teve no governo com o seu então ministro da Economia, Macron, o candidato a candidato a deputado pelo novo partido esclareceu que estas divergências estavam “ultrapassadas” e que não guardava nenhum rancor pelo sucedido na época.
Os antigos companheiros de partido de Manuel Valls, inclusive alguns apoiantes seus nas primárias, já fizeram saber que não partilham da decisão do ex- -primeiro-ministro de François Hollande e que esperam pela reunião dos socialistas para discutir a situação. “O nosso objetivo é claro e simples: obter uma maioria de esquerda. Valls já não conta para este projeto”, afirmou o deputado socialista Mathieu Hanotin.