“A primeira palavra que me assalta a boca é cansaço. Estava cansado daquele constante assalto aos olhos e aos sentidos no zunir ou vibrar do telemóvel a dizer que tenho uma notificação. Eu sei que dá para desligar tudo isso, desativar notificações, transformar aquilo numa coisa muda, mas ainda assim nunca o fiz. Há uma parte de mim que gosta daquilo, da “notificação”, do globozinho sombreado com um número a garantir-me que alguém de alguma forma interagiu comigo, reparou em mim, validou a minha existência. Eu acho que as redes sociais têm esse poder de mexer com as carências de uma pessoa. Especialmente com a solidão. Mas comecei a ficar cansado de reconhecer em mim um certo tipo de solidão e de ao mesmo tempo reconhecer uma necessidade crescente de procurar abrigo nessa falsa companhia, nesses amigos ou likes, como se ver a vida das outras pessoas através de uma janelinha que trago no bolso fosse de alguma forma estar lá com eles e partilhar aqueles momentos”.
Um estudo publicado em 2016 pela autoridade de telecomunicações da Grã-Bretanha, a Ofcom, mostra que 34% dos internautas tornaram-se voluntariamente offline devido às pressões que Rui, de 24 anos, residente em Viana do Castelo, descreve. Metade da amostra de 2.525 pessoas interrogadas, incluindo 500 adolescentes, relatou passar mais tempo online do que desejava.
O estudo em questão aponta para que o mal-estar da intelectualidade sobre as redes sociais cresça. O jovem de Viana do Castelo explica que se fartou também dos conteúdos noticiosos partilhados nas redes, assim como os jovens que responderam ao inquérito da Ofcom: “Fartei-me também das notícias e dos títulos construídos exclusivamente para clicar e ver. É um assalto à curiosidade, uma mistela de listas e top’s e dicas e conselhos. É a trivialidade remastigada e cuspida com temperos diferentes de mil e uma formas, mudando a cor e a imagem de fundo apenas. É bom ‘navegar’ num sítio onde tudo o que os teus olhos veem não grite por ti, não chame pela tua atenção, quase como se te ignorassem, indiferentes à tua presença ou não. O meu Facebook foi moldado ao longo dos tempos para mim, para ser meu, e saber que a certa altura estou a ver as coisas por um funil que eu próprio armei para mim, é bizarro”.
Joana, de 26 anos e natural do Porto, diz: “As redes sociais não me fazem confusão, de todo. É fácil e eficaz tentar contactar alguém por ali. Não há barreiras. Há sim, uma espécie de ‘bolha’ que parece que não deixa a maioria das pessoas ver a realidade. Ficam dentro daquilo: conhecem-se, desenvolvem teorias, partilham experiências… ali, no online. Então, e um simples café? Um passeio? Aquilo que é e deveria ser normal quando conheces alguém? Isso já (quase) não existe. Deixa-me desiludida. Quando sou direta e tento marcar algo para conhecer alguém, saber realmente como é… fogem. É mal interpretado, intrusivo, demasiado rápido. Mas é suposto?”.
Cresceram a navegar
Jill Shepherd, em 2004, no seu livro “O que é a Era Digital” explicava que esta caracteriza-se por uma intensa transformação socioeconómica numa escala similar à da Revolução Industrial. Segundo o autor “esta era é cada vez mais associada às tecnologias de informação e comunicação, cujas funcionalidades são capazes de mobilizar conhecimento a velocidade cada vez mais rápidas”. Segundo a “Visão”, em Portugal são 92% os millennials que tem acesso à internet, 94% os que utilizam o computador e 33% os que compram online.
Muitos são do tempo do mIRC, do chat do MSN, outros tantos se lembram das maravilhas do Myspace e envergonham-se dos posts que faziam no Fotolog ou no hi5. Hoje dominam o Facebook, o Instagram, o Snapchat ou o WhatsApp e é por lá que fazem novos amigos, sem nunca esquecer os meios tradicionais de socialização.
Não foram só os táxis a encontrar competição no mundo virtual com plataformas como a Cabify, a Lift ou a Uber. Também as agências tradicionais para permitirem "matches" (correspondências) entre casais viram as novas tecnologias proporcionar um mundo novo no que ao romantismo diz respeito. Em três anos o Tinder proporcionou mais de dez biliões de combinações de casais que, segundo o site, levaram a "a amizades, encontros, relacionamentos". Mas "Por que devemos ir a "sites de engate" quando encontramos tantas pessoas novas todos os dias, na vida real?" Foi a partir desta questão que, em 2014, em Paris, Fabien Cohen, Didier Rappaport e Antony Cohen decidiram criar a Happn, uma aplicação que, segundo o próprio site: proporciona "uma superpotência quotidiana: o poder de encontrar uma pessoa com quem te cruzaste durante o teu caminho" que atraiu milhares de utilizadores quase instantaneamente.
O estudo "Os Portugueses e as Redes Sociais", da Marktest Consulting, contabilizou em 2016 que 94.4% dos utilizadores de redes sociais afirmam ter um perfil criado no Facebook. No YouTube estão 42.9% dos utilizadores portugueses inquiridos, enquanto no Google+ estão 39.1%. O WhatsApp, analisado pela primeira vez nesse ano, tem cerca dos 38.3% dos utilizadores e o Instagram tem inscritos 37.3% dos utilizadores das redes sociais em Portugal, tendo sido a rede com maior aumento relativo face ao ano anterior. Este estudo parte de uma quantificação de 4,6 milhões utilizadores de redes sociais, residentes no no continende com idades compreendidas entre 15 e 64 anos, dada pelo estudo Bareme Internet da Marktest.
Eles usam aplicações para tudo, consultam os dados bancários no telemóvel, chamam um táxi através de um clique, conhecem parceiros através de deslizes do dedo para a direita, encomendam comida, escolhem roupa, fazem apostas, tudo através do extraordinário mundo da internet. Mas que riscos traz esta navegação de informação privada em massa pela web? Quais são os perigos desta geração que cresceu iluminada, entusiasmada pelo desenvolvimento rápido e complexo de uma estrutura invisível que os liga a todos os cantos do mundo?
Os perigos da Internet
“Dizem que quando se diz que uma coisa está na moda, é porque a moda já passou, menos no caso do cibercrime” explica ao i Maria Cristina Freitas, advogada que se tem centrado nos perigos da internet nos últimos anos. “O cibercrime está na moda, vai estar na moda durante muito tempo, e só ainda agora começou”. Todos os dias surgem novas formas de proteção de dados informáticos, novos antivírus, novos sistemas de software e hardware para nos proteger, mas à medida que crescem as proteções também crescem as intrusões.
“Nos últimos tempos a cibercriminalidade tem vindo a disparar. Temos o exemplo do recente e mediático caso da Baleia Azul, que pode mesmo levar à última consequência: a morte. Mas muitos outros tipos de crimes há que cada vez são mais frequentes e em maior escala. O maior perigo na Cibercriminalidade está no facto de ser tão fácil ao perpetrado camuflar a sua identidade, conseguir usar dinheiro e fazer transações sem deixar rasto. O criminoso consegue prosseguir a atividade criminosa sentado no sofá de casa”, explica, acrescentando: “Mais, consegue facilmente cometer crimes em larga escala, em vários sítios do país ao mesmo tempo e em vários países ao mesmo tempo, com a facilidade extra de ocultar a identidade sem barreiras geográficas: estão reunidas as condições “sine qua non” para que alguém consiga consumar os crimes sem grande esforço ou risco de exposição”. A Lei do Cibercrime prevê 6 tipos de cibercrime: o crime de falsidade informática, o crime de dano relativo a programas ou outros dados informáticos, o crime de sabotagem informática, o crime de acesso ilegítimo, o crime de interceção ilegítima e o crime de reprodução ilegítima. Fora deste catálogo há ainda o crime de burla informática previsto e punido pelo Código Penal. Além destes há todos os outros crimes previstos na Lei e que podem ser cometidos com recurso à via informática como veremos.
Tomemos a título de exemplo um crime em particular que tem vindo a aumentar em larga escala: falamos da usurpação (ou furto) de identidade. Segundo Maria Cristina Freitas, em Portugal não existe o crime da usurpação de identidade por si só, ao contrário de outros países: “Já existiu na nossa legislação, na revogada Lei da Identificação Civil e Criminal, mas tal não significa que tal não seja punido. Tudo dependerá da intenção e do ‘modus opperandi’ do criminoso. A usurpação de identidade, só é considerada crime se a sua consumação visar a obtenção de um benefício ilegítimo ou um prejuízo alheio”. Sendo assim, estaremos perante uma usurpação de identidade em casos, por exemplo, de crime de burla; de falsificação de documentos; ou de uso de documento de identificação ou de viagem alheio. Além destes crimes, o criminoso poderá também ser punido pela sua conduta tendente à obtenção de dados pessoais, por exemplo: por furto; utilização de fotografias contra vontade ou violação de correspondência.
A apropriação pode ocorrer através do furto do computador ou do telemóvel, ou através de uma plataforma na qual constem os dados dos utilizadores, “pode acontecer quando nos roubam a carteira ou nos mexem no correio”.
As informações podem ainda ser apropriadas através do acesso virtual, usando como porta de acesso a internet; sendo, para o efeito, instalados determinados vírus e “malware” no computador ou telemóvel do portador.
Por vezes, acontece através do acesso a contas de correio eletrónico ou a redes sociais. Há os casos de mensagens de correio eletrónico designadas de “phishing”, as quais visam enganar o destinatário, levando-o a fornecer informações pessoais.
Cyberbullying e cyberstalking
Outro dos perigos que os millennials enfrentam em todo mundo é o da perseguição e humilhação através da web. Tito Morais, co-autor do livro “Cyberbullying – Um guia para pais e educadores” explica que cyberbullying consiste na agressão verbal ou multimédia (através de fotografias e vídeos) intencional, feita por um indivíduo ou feita em grupo através da internet, em que normalmente, o agressor domina as redes sociais. Segundo Tito Morais não há estudos que permitam um retrato do cyberbulling nos millennials portugueses, assim como também não há dados concretos sobre a quantidade de jovens que são perseguidos através das redes sociais. Sabe-se sim, que em adolescentes de hoje (Geração Z) a prevalência deste problema é de 10 a 20%.
Para o especialista a maior característica do agressor é a falta de empatia com os agredidos, sendo que a internet veio facilitar a ausência de capacidade de se colocar na situação do outro, motivada pela possibilidade do anonimato e da impossibilidade de serem vistas em tempo real as reações físicas das vítimas.
Em abril de 2012 a Statista, nos Estados Unidos da América, abordava o tema do cyberbullying aos millennials e concluiu que 71% dos millennials norte americanos considerava o cyberbullying tão grave quanto o bullying tradicional (cara a cara).
Segundo o especialista Tito Morais o "cyberbullying pode assumir várias formas e o problema é que as vítimas normalmente se mantêm em silêncio". São casos de cyberbullying, por exemplo, o envio de mensagens ou ameaças para a conta de e-mail de uma pessoa ou telefone, a divulgação de rumores online ou através de textos, a publicação de mensagens prejudiciais ou ameaçadoras em sites de redes sociais ou em páginas da Web, o roubo de informações de uma conta pessoal para invasão da sua conta e envio de mensagens prejudiciais, o passar-se por outra pessoa online para magoar outra pessoa, o tirar fotos desagradáveis de uma pessoa e divulgá-las através de telefones ou da Internet, a partilha do "sexting", ou circulação de fotos sugestivamente sexuais ou mensagens sobre uma pessoa.
Segundo um estudo da i-SAFE nos EUA, realizado quando muitos dos millennials eram ainda crianças ou adolescentes,no ano letivo de 2003/2004, os números indicavam que :
42% dos inquiridos haviam sido intimidados enquanto online. Em cada quatro crianças, uma já havia sido intimidada mais de uma vez.
35% das crianças tinham sido ameaçadas online. Em em cada cinco, a uma isto aconteceu mais que uma vez.
21% das crianças tinham recebido e-mail's ou outras mensagens ameaçadoras.
58% das crianças admitiram que alguém lhes disse coisas "más" através da Internet, ou que falaram mal sobre elas. Mais de 4 em cada 10 dizem que aconteceu mais de uma vez.
53% admitem ter dito algo médio ou mau a outra pessoa online. Mais de 1 em cada 3 fizeram-no mais de uma vez.
58% não contaram aos pais ou a um adulto sobre o que lhes aconteceu online.
Tito Morais, em conversa ao i, explica que o anonimato da internet pode transformar-se "num refúgio, tornando as vítimas de bullying em agressores de cyberbullying, o facto de estarem protegidos pela distância física e sem terem de mostrar o rosto explica a facilidade das agressões" sendo comum a vingança de quem foi antes perseguido através das redes sociais.