A qui há tempos li uma notícia sobre uma criança que tinha perdido a vida enquanto a mãe olhava para o telemóvel. Infelizmente não fiquei nada admirada. O estranho é não haver mais tristes notícias destas.
Lembrando-me do filme Regresso ao Futuro, imagino o que os meus avós pensariam se aterrassem de nave num parque infantil, já para não falar de um restaurante ou uma qualquer sala de espera – em que se faz tudo menos esperar. Quanto a mim, não preciso de vir do passado para ficar estupefacta com a relação que estamos a criar com os telemóveis e redes sociais.
Assisti recentemente a duas situações que ilustram bem o triângulo adulto-telemóvel-criança.
Numa delas pai e filho (com cerca de sete anos) foram jogar à bola para um dos campos do Jamor. Levaram uma baliza e a ideia seria o pai fazer de guarda-redes enquanto o filho lhe marcava alguns golos. Perfeito! No entanto, passado pouco tempo, o pai estava sentado dentro da baliza enfeitiçado a escrever no telemóvel, enquanto o filho o chamava cada vez mais impaciente para ver as suas performances. A certa altura uma rajada de vento levou a baliza e o pai impassível continuou absorto no seu brinquedo. O filho atrapalhado corria atrás da baliza e o pai nem deu por nada…
Noutra situação o pai levou o filho de uns cinco anos a um parque infantil. Sentou-se num banco e pegou no telemóvel. À semelhança do caso anterior, estava como que hipnotizado, indiferente aos chamamentos do filho, soltando por vezes um ‘Granda maluco!’ mas mal olhando para a sua habilidade. No entanto, de vez em quando chamava-o, punha o capuz na cabeça, tiravam uma selfie muito divertidos e depois empurrava o filho com uma mão enquanto com a outra segurava o telemóvel, do qual não desviava o olhar. Quando o filho olhava para o pai, o sorriso já lá não estava, nem o olhar era dirigido para ele. A cena repetiu-se várias vezes. No fim, o pai arrumou o telefone, chamou o filho e lá foram eles.
Nos dias que correm é cada vez mais difícil termos tempo de lazer com os nossos filhos. E mesmo quando o temos não é fácil dedicarmo-nos totalmente e desprendermo-nos do resto, até porque a vida é muitas vezes consumida pelo trabalho, responsabilidades e tarefas, muitas delas até relacionadas com os próprios filhos. Por isso, nestes preciosos momentos, há uma tendência para tentar encaixar tudo, para termos tempo para eles, para nós, para desanuviar e ‘estar com os amigos’. No entanto, ter menos tempo mas de qualidade seria mais precioso do que algum em que não se está verdadeiramente disponível.
Curiosamente, parece haver uma grande afinidade de comportamentos nestas duas gerações. Ambas se encontram numa relação de dependência e necessidade de aprovação e reconhecimento do outro. O adulto não consegue estar sozinho: ‘Vou ao Jamor. Já estou no campo. Ontem comi bife ao jantar’. E sempre que vive um bom momento ou, muitas vezes, o cria propositadamente para o efeito, envia-o automaticamente a alguém, ou a várias pessoas, à procura de reconhecimento: ‘És o melhor pai do mundo! Estão giríssimos! O teu filho está enorme’. E enquanto o mais velho já teve – ou talvez não – oportunidade de ser olhado e reconhecido, o mais novo continua à espera da sua disponibilidade e atenção.