“Salvador, realizaste o meu sonho”, lia-se no cartaz de Maria Clara, uma das muitas pessoas que estiveram ontem no aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, para receber Salvador Sobral. Tinha apenas quatro anos quando Portugal participou pela primeira vez no Festival Eurovisão da Canção, em 1964, e desde essa altura que esperava por um vencedor. No sábado passado, Salvador fez-lhe a vontade e amou aquela música e aquela performance por todos, dando-lhe uma emoção tal que conseguiu conquistar o televoto e a votação dos júris. Como agradecimento, Maria Clara foi à hora de almoço para o aeroporto esperá-lo, só para gritar um ‘obrigada’.
Eram 14h00 e já a parte das chegadas do aeroporto estava a ficar composta. O voo estava atrasado e o cantor português já não iria passar pelos seus fãs às 15h00, como estava previsto. Mas isso não demoveu quem ali se encontrava – até fez com que chegassem mais pessoas para apoiar o vencedor do festival. Uma coisa uniformizava aqueles que ali estavam: a maioria trazia algo relacionado com as cores da bandeira portuguesa. Um cachecol, uma bandeira às costas, umas riscas pintadas na bochecha, um cartaz, todos elementos com o vermelho, amarelo e verde.
“Se a Simone está delirar, imagine nós!”, exclamou Paula, de 49 anos, que não arredava pé do local, ansiosa por ver Salvador. Ao mesmo tempo, Paulo Sérgio ia acompanhando a emissão em direto das notícias e de vez em quando olhava para a rampa, à espera de ver o cantor português. “Estou a acompanhar tudo ao minuto, para não perder nem um bocadinho”, disse ao i. “Ontem estive a festejar o meu Benfica, mas quando cheguei a casa percebi que também tinha de estar aqui. Só pensamos em Cristiano Ronaldo, mas Portugal não é só ele. Portugal tem outras vertentes além do futebol, como o Salvador Sobral. Só se lembram de um ídolo e não pode ser”.
O aeroporto acabou por ir enchendo, mas, mesmo assim, algumas pessoas queixavam-se da falta de adesão do povo português a este momento. “Embora continuem a chegar mais pessoas, devíamos ter cá mais gente, como acontece quando é a seleção de futebol. Não há distinção entre ganhar o primeiro prémio do Europeu e o primeiro prémio da Eurovisão. Salvador Sobral é um nome a ter em conta durante os próximos anos na Europa e que perdurará entre o povo português”, disse ao i a algarvia Amélia Gonçalves.
“Se calhar temos de cobrar um bocadinho mais nos concertos” As pessoas estavam ansiosas, o tempo custava a passar, mas mal sabiam que ainda iam ter de esperar um bom bocado, pois antes da saída do aeroporto, estava prevista uma conferência de imprensa com os jornalistas.
Visivelmente cansado, Salvador Sobral foi respondendo às questões colocadas, sempre com algum humor. Quando se falou sobre o facto de a música ser cantada em português, o músico explicou que o principal idioma da sua canção era a música em si. “Isso foi óbvio porque houve pessoas da Europa inteira a votar na música e não percebiam uma única palavra. Eu podia estar ali a dizer “Vão-se lixar! A Europa não presta para nada! Queremos sair” e não percebiam nada do que eu dizia. Mas, claro, acho que a língua portuguesa estava ali muito bem representada e, sempre que pude, falei em português”, afirmou.
Salvador afirmou que ainda não sabe como lidar com o que se está a passar, com esta “loucura inicial”, dando como garantido de que se trata de algo “efémero. “Daqui a dois ou três meses já ninguém se lembra. E ainda bem. O que eu tenho de fazer é continuar a criar a minha música e ser feliz a tocá-la (…) Se calhar temos de cobrar um bocadinho mais nos concertos, isso é a parte boa”, brincou o artista, revelando que, a seguir a dezembro, irá dedicar-se ao seu segundo disco.
Regressando à questão do mediatismo, Salvador deixou um apelo aos seus fãs: “As pessoas, com as suas armas tecnológicas, acham que têm o direito de tirar fotografias quando estamos a comer, a dormir até, e isso deixa-me triste. Faço um apelo às pessoas: eu gosto quando dizem “gosto muito da tua canção”, mas as fotos e os telemóveis invadem o meu espaço”.
Apesar dos confrangimentos da fama, mostra estar satisfeito com a prestação e com os efeitos subsequentes da vitória, tanto na área cultural como no impacto económico que o Festival Eurovisão de 2018 terá em Portugal. “Se pudermos de alguma maneira ajudar a música portuguesa, eu fico feliz (…) Vamos ter o festival aqui e creio que isso vai contribuir bastante não só para a cultura, mas também para o turismo. Sei que é preciso gastar muito dinheiro para organizar um evento destes e peço desculpa à RTP (risos), mas acho que [o esforço] será recompensado”, concluiu.