Em terras de Marine Le Pen, o novo Presidente Emanuel Macron mostra braço musculado de segurança para proteger as estrelas e o cinema do mundo.
Poucos dias depois do investimento do Presidente Emmanuel Macron, percebe-se que não há desejo de correr o mínimo risco no plano de segurança do 70º Festival de Cannes. Sobretudo numa zona de forte influência de Marine Le Pen. Um facto de resto confirmado pelo edil local, David Lisnard, ao referir num jornal local que “o dispositivo de segurança aplicado este ano (no festival de Cannes) estará próximo das grandes cimeiras internacionais”. Um dado sublinhado por Pierre Lescure, presidente do Festival, argumentando que se “trata da imagem da França para organizar estes eventos internacionais”.
“Sorria você vai ser ‘scaneado’!”, podia ser o mote para este festival, já que nos preparamos para levantar ainda mais vezes os braços como fazemos ao entrar na zona de segurança do aeroporto, dada a elevação das medidas em terra, mais e ar. E sorrimos quando vemos os militares de arma em punho na avenida Croisette. Mas há mais elementos a juntar à proteção da cidade provavelmente mais protegida do mundo nos dias de correm. Para além de snipers e guarda a cavalo, haverá igualmente uma atenção ao espaço aéreo, com helicópteros de interceção a criarem uma zona de “espaço exclusivo” e até mesmo um sistema de drones. Também na costa, forças aeronavais patrulham a zona do litoral junto à baía de Cannes. Enfim, nada muito diferente de uma cimeira dos G20.
Igualmente protegido estará o espanhol Pedro Almodóvar e os seus pares do júri internacional, constituídos pela realizadora alemã Maren Ade (habitual colaboradora de Miguel Gomes), a atriz americana Jessica Chastain, a cineasta francesa Agnès Jaoui, a atriz chinesa Fan Bingbing, o realizador coreano Park Chan-Wook, o ator americano Will Smith, o realizador italiano Paolo Sorrentino e o compositor francês Gabriel Yared. Serão eles a decidir quem será a Palma de Ouro da edição do 70º Festival de Cannes.
O filme da cerimónia de abertura terá naturalmente o mais mediático desfile na carpete vermelha que conduz ao Grand Palais, onde centenas de caçadores de autógrafos esperaram horas a fio para obter uma foto decente e, quem sabe, um autógrafo (ou vários) das estrelas que por ali irão passar. Seguramente as francesas Marion Cotillard e Charlotte Gainsbourg, bem como Matthieu Almaric, cabeças de cartaz do emaranhado novelo familiar que se desenlaça em Os Fantasmas de Ismael, o filme de abertura assegurado por Arnaud Desplechin, e que será conduzida pela atriz italiana Monica Bellucci.
Cannes imperdível
Não faltam highlights para esta edição que pretende tornar-se memorável.
Desde logo, com um trio de cineastas femininas de quem se espera muito. Sofia Coppola regressa a Cannes com The Beguiled, num filme de época durante a Guerra Civil americana, com Nicole Kidman (numa das suas quatro presenças este ano, sendo que duas em competição, a outra é The Killing of a Sacred Deer, do grego Yorgos Lanthimos), Colin Farrell e Kirsten Dunst, Hikari, da japonesa Naomi Kawase, no que se supõe uma continuação do seu cinema profundamente sensorial, e ainda You Were Never Really Here, da escocesa Lynn Ramsay, um dos nossos secretos potenciais candidatos à Palma de Ouro, com Joaquin Phoenix a proteger uma jovem em risco de abusos sexuais.
Estes são apenas alguns exemplos da vintena de filmes a concurso para a Palma de Ouro, num festival de regressos, em que o do austríaco Michael Haneke nos trás o seu irónico Happy End e que poderá juntar-se à lista restrita dos cineastas que venceram a Palma pela terceira vez, depois de O Lenço Branco, em 2009, e Amor, com uma presença discreta de Rita Blanco, em 2012.
Há ainda a presença de dois filmes produzidos pela Netflix que contariam o precedente de não estrearem em salas de cinema, mas na plataforma de streaming. Trata-se de The Meyerowitz Stories, do americano Noah Baumbach, e Okja, do sul coreano Bong Joon Ho. Teremos ainda a visão de Jacques Doillon sobre o escultor Rodin, com Vincent Lindon no protagonismo, ele que venceu o prémio de melhor interpretação masculina em A Lei do Mercado, em 2015.
Então e portugueses?
Também temos, nas secções paralelas. Desde logo, as 3 horas de Pedro Pinho, em A Fábrica de Nada, que se pode tornar num pequeno evento já que se trata de uma pequena obra-prima, sobre o destino de uma fábrica de Santa Iria da Azóia que foi tomada pelos trabalhadores, que tivemos oportunidade de ver numa sessão privada no recente IndieLisboa.
E temos ainda outras propostas no formato de curta metragem – Farpões, baldios, de Marta Mateus, a animação Água Mole, de Laura Gonçalves e Xá, na Quinzena, e Coelho Mau, de Carlos Conceição, na Semana da Crítica.
Vamos então ao festival.