“Os conselheiros de Trump que estão a vazar [informação] para a imprensa estão sabotar a presidência de forma deliberada. É necessária uma limpeza doméstica enorme. Fugas a toda a hora vão destruir a presidência de Trump. Há um enorme cavalo de Troia a conspirar dentro do círculo íntimo [da Casa Branca].” As palavras são de Matt Drudge, o excêntrico “comentador político” conservador – e responsável pelo site agregador de notícias Drudge Report – e, tal como já é tradição do próprio, foram arremetidas repentinamente para o debate público, via Twitter, e apagadas das redes sociais pouco depois.
As acusações de Drudge, um apoiante entusiasta do presidente americano, surgiram na semana passada, numa altura em que Washington estava em plena ebulição, resultante do circo mediático criado à volta da demissão do diretor do FBI, James Comey. Por aqueles dias atropelaram-se os testemunhos de funcionários e ex-funcionários da Casa Branca ou da agência federal de investigação policial norte-americana, e de pessoas próximas do presidente dos Estados Unidos, que davam conta de pormenores embaraçosos para a administração Trump, devido à forma confusa como lidou com todo o processo.
Ontem, atuais e antigos “US officials” e pessoas “familiarizadas com o assunto” voltaram a deixar Donald Trump em maus lençóis. Em conversa com o “Washington Post” – em primeira mão, e depois com o “Wall Street Journal”, Reuters, o Politico, a CNN, o “New York Times”, entre outros –, revelaram que o presidente norte-americano havia partilhado informação confidencial, relacionada com uma nova ameaça do grupo terrorista Estado Islâmico, com o ministro dos Negócios Estrangeiros da Federação Russa, Serguei Lavrov, e com o embaixador russo nos Estados Unidos, Sergei Kislyak, aquando da visita dos dois à Casa Branca, na quarta-feira da semana passada.
“Eu consigo informação secreta muito boa. Tenho pessoas que me informam sobre informações secretas ótimas todos os dias”, terá dito Trump aos dirigentes russos, de acordo com as referidas fontes, antes de lhes explicar os mais recentes planos de terrorismo do Daesh, relacionados com a utilização de computadores portáteis a bordo de aviões comerciais, e de identificar em que cidade do território controlado pelos terroristas fora conseguida a informação confidencial.
Além de ter revelado aos russos “mais do que os EUA partilharam com os seus próprios aliados”, segundo os testemunhos de quem falou com o “Washington Post”, Trump havia conseguido tais informações através dos serviços de espionagem de um país aliado – Israel, segundo o “New York Times” – que, aparentemente, não teria dado autorização aos norte-americanos para as partilhar com a Rússia, e que agora temem que Moscovo consiga identificar quem são e como lograram obtê–las. Foi por isso que, numa lógica de “contenção de danos”, alguns funcionários da Casa Branca contactaram imediatamente a CIA e a NSA para lhes dar conta do que acabara de ocorrer na Sala Oval.
Partilha “apropriada”
Num comunicado na terça-feira à noite, o conselheiro de Trump para a Segurança Nacional, H.R. McMaster, apressou-se a rotular a notícia do “Washington Post” como “falsa”, “tal como foi apresentada”, e explicou que “o presidente e o ministro dos Negócios Estrangeiros [russo] avaliaram uma série de ameaças comuns para os nossos dois países, incluindo ameaças para a aviação civil”. “Em nenhum momento foram discutidas fontes ou métodos dos serviços secretos”, garantiu o conselheiro.
Ontem, enquanto Trump se preparava para receber o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, na Casa Branca, McMaster voltou a falar com os jornalistas. Questionado sobre a natureza da informação partilhada, o general recusou esclarecer se aquela era efetivamente “confidencial” e insistiu que o comportamento de Trump foi “totalmente apropriado”, aos seus olhos e aos do secretário de Estado, Rex Tillerson, e da conselheira adjunta para a Segurança Nacional, Dina Powell, as outras duas pessoas que estiveram na reunião – na mesma linha do próprio presidente, que no Twitter defendeu “ter todo o direito” de “partilhar com a Rússia” factos sobre “terrorismo” e “segurança aeronáutica”. No final da sua intervenção, McMaster revelou ainda que o presidente norte-americano “nem sabia de que aliado” tinha vindo a informação partilhada.
Fugas problemáticas
O impacto mediático da informação partilhada com a Federação Russa – numa altura em que está em curso uma investigação sobre as alegadas ligações entre membros da campanha de Donald Trump e pessoas próximas do Kremlin – voltou a trazer à baila uma realidade embaraçosa para a Casa Branca: as fugas de informação continuam a ser uma das principais dores de cabeça para o presidente norte–americano, nos poucos meses de liderança do país.
A troca das habituais acusações contra os “media desonestos”, as “fake news” e as “fontes inventadas”, pelo desabafo de ontem, no Twitter, sobre a necessidade urgente de se encontrarem os “vazadores de informação” dentro dos serviços de espionagem, mostra o quão frustrado Trump está com as sistemáticas fugas de informação para a imprensa.
De acordo com a Fox News – que classifica “os problemas das fugas” como uma autêntica “praga” –, a administração Trump tem vindo a pressionar aqueles que lhe são mais chegados para denunciarem os “leakers”. A cadeia de televisão favorita do presidente refere que foram abertos diversos inquéritos internos, mas que, até ao momento, não resultaram em quaisquer despedimentos ou medidas disciplinares conhecidas publicamente.
Em declarações ao “The Hill”, um antigo conselheiro de campanha de Trump, que falou sob anonimato, diz que as constantes fugas revelam que há muita gente na equipa do presidente que não acredita na sua mensagem. “Só as pessoas insatisfeitas é que vazam [informação para a comunicação social], por isso parece claro que há vários conselheiros que não estão felizes. [Trump] terá de limpar a casa e trazer verdadeiros crentes, que sejam capazes de governar”, defende o ex-conselheiro.
As divergências públicas entre o presidente e várias fações dentro do Partido Republicano, durante e após a campanha eleitoral, podem ajudar a explicar esta aparente falta de compromisso, por parte de alguns membros da administração, relativamente ao projeto político de Donald Trump. O chefe de Estado norte-americano está, pois, obrigado, agora mais do que nunca, a “drenar o pântano”, tal como prometeu durante meses a fio. Sob pena de continuar a ver matérias confidenciais vazadas, semana sim semana não, para as primeiras páginas dos jornais dos EUA.