Sair do trabalho depois das 19h, entrar no carro para fazer a viagem de regresso a casa e, ao chegar ao destino, não encontrar lugar para estacionar, por mais voltas que se dê ao bairro. Cenário familiar? Acreditamos que seja, tendo em conta as centenas de comentários e partilhas que a publicação de uma moradora de Arroios – que se queixava da falta de lugar para pôr o carro – teve nas redes sociais. Gabriela Neto esgotou todos os truques que conhecia para conseguir estacionar na zona – sim, eles existem, já lá vamos – e acabou por dormir no carro quando o único lugar que encontrou foi em cima de uma passadeira. “Para evitar uma multa, aproveitei a segurança que me davam os polícias que rondam o Banco de Portugal e deixei-me ficar lá até de manhã, altura em que é muito mais fácil estacionar”, conta ao i.
Tal como acontece na maioria das zonas para residentes concessionadas pela EMEL, o horário durante o qual apenas os moradores com dístico não pagam estacionamento cinge-se a um período entre as 9h e as 19h. A partir dessa hora, qualquer pessoa pode estacionar. “Como moradora de Arroios desde o ano 2000, identifico duas situações: os stands de automóveis usam a via para parar os seus carros e, além disso, a crise obrigou as pessoas a saírem das garagens privadas para passarem a estacionar na rua”, refere. Talvez por isso, chegar a casa tarde seja agora sinónimo de horas às voltas para conseguir encontrar um lugar. “Já me deixei disso”, conta Gabriela, “era um gastar de gasolina estúpido.” Agora – e aqui vem o primeiro truque -, a moradora sabe já de cor a que horas acabam as aulas da escola de ioga e a que horas fecha o dentista da sua rua. “Fico estrategicamente parada à espera que alguém saia para pôr o meu carro”, explica.
Mas no dia 9 de maio não houve truque que funcionasse. “Cheguei a casa às 00h30 e, depois de mais de uma hora às voltas, percebi que nem os lugares em contraordenação estavam livres”, conta. Decidiu, por isso, parar no único sítio disponível, mesmo sendo em cima de uma passadeira. E, para evitar multas ou reboques, ficou no carro até de manhã.
Zonas problemáticas Aquela que se poderia encarar como uma solução extremista parece não ser assim tão descabida para quem lida com os problemas de estacionamento em Lisboa. Entre os comentários à história de Gabriela havia quem admitisse já ter um cobertor no carro para essas situações ou quem tivesse por hábito pôr o despertador para antes das 9h, de maneira a ir tirar o carro de cima do passeio quando esse é o único sítio livre para estacionar – isto antes que a polícia municipal ou a EMEL apareçam.
João Filipe Guerreiro nunca dormiu no carro, mas já houve várias vezes em que, apesar de viver no Bairro Alto, teve de estacionar na Avenida da Liberdade ou na Alexandre Herculano e apanhar um táxi para casa. “É uma zona cuja hora de ponta se estende até às 2 da manhã”, lembra, mas que nem por isso tem fiscalização. “Apesar do estacionamento ser pago até à uma da manhã, nunca lá vi a EMEL depois das 18h”, conta. “Quando muito aparecia a Polícia Municipal e só no caso de ser preciso um reboque.”
Soluções Além do Bairro Alto, também o Príncipe Real, a Baixa, o Cais do Sodré e, mais recentemente, o Bairro Azul fazem parte do eixo vermelho da EMEL, onde os lugares são pagos até à 01h.
Esta opção é implementada depois de avaliado o nível de pressão, calculado através do cruzamento do número de veículos com o número de lugares de estacionamento disponíveis. Ao i, a EMEL dá um exemplo: no Bairro de Santa Catarina existem 5,3 veículos para cada um dos 93 lugares disponíveis. “É, por isso, das zonas de Lisboa com maior pressão”, explica fonte oficial.
Já na Lapa e na Madragoa, a EMEL prepara-se para avançar com um sistema que funciona ao contrário do habitual. Esta zona vai ser exclusiva a residentes das 19h às 9h, para que a rotação aconteça durante o dia e os moradores tenham sítio para estacionar quando chegam a casa.
Além dos horários especiais, a EMEL avançou com a criação de bolsas de residentes – zonas onde só os moradores podem estacionar, independentemente da hora -, que já funcionam nalguns locais da cidade, nomeadamente em Alvalade. Ainda para facilitar a vida aos moradores, a EMEL propõe que, com a construção de mais parques de estacionamento, os residentes troquem o primeiro dístico a que têm direito por uma avença de estacionamento (ainda que os preços não sejam os mesmos).
Qualquer que seja a solução, esta vai resultar sempre da sinergia entre a EMEL, as juntas de freguesia e a câmara municipal, que apresentam à empresa de mobilidade as principais queixas dos moradores. A EMEL garante que não existem propostas por parte de Arroios e a presidente da junta de freguesia, em resposta ao i, refere apenas que “o estacionamento é um problema que desde sempre preocupou a junta” , mostrando-se defensora da fiscalização por parte da EMEL. Já a câmara municipal, até ao fecho da edição, não respondeu às questões enviadas pelo i.