Donald Trump retaliou logo ao acordar. Um pouco antes das 8h da manhã locais, o presidente foi ao Twitter escrever que a convocatória de um conselheiro especial para a investigação aos possíveis laços da sua campanha com o governo russo não passa de mais uma prova de que todo o processo é “simplesmente a maior caça às bruxas na História da América”. E acrescentou: “Apesar de todos os atos ilegais cometidos pela campanha de Clinton e administração de Obama, nunca ninguém convocou um conselheiro especial”, lançou na rede social, com um erro ortográfico que corrigiu mais tarde.
Trump respondia nas redes à grande notícia da noite de quarta-feira. O Ministério da Justiça convocou pela segunda vez na História um conselheiro especial para supervisionar a investigação às alegadas ligações russas da equipa do novo presidente e garantir que o processo se mantém independente. A decisão foi tomada pelo procurador-geral-adjunto como resposta ao amontoar de indícios sugerindo que Donald Trump e o seu governo podem estar a tentar obstruir a investigação, numa primeira instância com a demissão de James Comey, na semana passada, e, terça-feira, com a notícia de que o líder americano lhe pedira numa conversa em privado que “deixasse passar” a investigação ao seu conselheiro para a Segurança Nacional, Michael Flynn.
“Com base em circunstâncias únicas, o interesse público exige de mim que coloque esta investigação sob a autoridade de alguém capaz de exercer um grau de independência superior ao da cadeia normal de comando”, escreveu Rod Rosenstein na quarta-feira, convocando o estatuto de conselheiro especial e nomeando para o cargo Robert Mueller, antigo diretor do FBI, antecessor do demitido James Comey e um nome altamente respeitado em Washington. Ao entregar a investigação a um conselheiro especial, Rosenstein parece acabar com as suspeitas sobre a independência da investigação e aceitar os apelos de congressistas democratas e meios críticos a Trump que passaram os últimos dias a pedir um painel independente ou um procurador especial a quem fosse atribuído o caso.
O cargo de conselheiro especial é semelhante. Mueller tem ainda que responder a Rosenstein – que é procurador-geral-adjunto, mas, visto que o procurador-geral Jeff Sessions se teve de escusar da investigação devido aos seus próprios laços russos, é a voz de maior autoridade da Justiça neste caso –, o que quer dizer que, em termos práticos, o conselheiro especial tem também de responder ao presidente. Mas Mueller terá mais margem de manobra para determinar o rumo da investigação do que um procurador normal: pode decidir se informa ou não o Ministério da Justiça do andar da investigação, pode analisar “quaisquer laços ou coordenações entre o governo russo e indivíduos associados à campanha do presidente Donald Trump” e para além disso pode fazer acusações criminais e pedir mais recursos para a investigação – algo que Comey pediu dias antes de ser demitido, de acordo com o “New York Times”.
Novas crises
Os investigadores americanos ainda não encontraram provas de que a campanha de Donald Trump esteve em conluio com agentes russos responsáveis pelas interferências do Kremlin nas eleições, que alegadamente aconteceram sob a forma de ataques informáticos a estruturas democratas e campanhas de informação, por exemplo. O grosso da crise parece para já centrada em Michael Flynn, o antigo conselheiro para a Segurança Nacional, demitido por ter ocultado conversas com o embaixador russo nos Estados Unidos depois das eleições e que, segundo revelava ontem a publicação “McClatchy”, nos seus primeiros dias de governo travou uma operação militar na Síria que desagradava ao governo turco – que lhe pagou 500 mil dólares em segredo, um dado que então era desconhecido da sua própria administração.
A crise atual no governo de Trump parece ser sobretudo autoinfligida, pelas tentativas de travar investigações ou, como revelava ontem o “New York Times”, ao ignorar os avisos do próprio Flynn, que terá avisado o governo de que estava sob investigação por ligações ao Kremlin antes de tomar posse.