Estava de férias e aproveitou para vir a Lisboa tomar café com um amigo. Quando se preparavam para sair do estabelecimento que tinham escolhido para pôr a conversa em dia, a chaminé do restaurante vizinho cai de uma altura de seis andares. Se a maioria das pessoas que estava no local conseguiu desviar-se, o instinto de Júlio Pereira foi baixar-se. “É a última coisa de que me lembro. Só sei que tive um acidente porque me contaram”, conta.
A partir daí, seguem-se 22 dias em coma induzido, várias cirurgias à cabeça, às costelas e às vértebras, internamento no S. José e posterior transferência para o Amadora-Sintra. Só quase um mês depois do acidente é que Júlio acordou e teve acesso aos relatórios onde leu, pela primeira vez, a palavra paraplegia.
Tudo aconteceu há oito meses, um período complicado na vida de Júlio, que encontramos nas novas residências assistidas do Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão. Criadas no ano passado, ajudam a dar autonomia a quem a perdeu e são uma espécie de estágio para o regresso definitivo a casa. É nesta fase que se encontra Júlio, que mostra com o processo de recuperação é duro e os desafios que tem pela frente não são menores.
“Os médicos não me explicaram nada, soube o que tinha pelo que li e, posteriormente, pelo que me explicaram já em Alcoitão”. Tiago Teixeira, diretor desta unidade do_Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão, explica que este procedimento é bastante comum. “Estamos a falar de traumas graves e sobre os quais o prognóstico é muito reservado”, diz. Além disso, o técnico de fisioterapia garante que as falhas de memória a curto prazo podem trair os doentes nestas alturas. “Até podem ter explicado, mas nessas alturas são poucas as informações fixadas”, acrescenta.
Júlio franze o sobrolho em sinal de dúvida sobre a possibilidade de esquecer um diagnóstico que lhe mudou a vida. “Saber que estava numa cadeira de rodas foi muito complicado”, admite, “é um daqueles momentos em que passam muitas coisas pela cabeça”. Felizmente, das muitas que passaram pela de Júlio, a que ficou foi a possibilidade dada pelos médicos de que um dia poderá voltar a andar.
Quase como em casa E, em poucos meses, Júlio transformou um prognóstico reservado em passos dados com a ajuda das do andarilho ou das canadianas. “Agora estou na cadeira, porque me dava mais jeito para tomar o pequeno-almoço”, explica, enquanto arruma o que falta para ter a mesa novamente livre.
Na unidade residencial que ocupa em Alcoitão, a sensação é de casa. Tem o seu quarto, uma cozinha, fruta em cima da mesa e livros empilhados no balcão. É aqui que os utentes com mais mobilidade se preparam para o regresso ao dia a dia fora da instituição, numa espécie de processo de transição para a realidade. “É importante lembrar que o centro está totalmente adaptado às condições dos utentes, algo que não acontece assim que passam os portões”, refere o fisioterapeuta.
Nas residências assistidas as portas têm largura suficiente para que a cadeira passe, não existem tapetes para atrapalhar a passagem, nem mesas de sala que sirvam de obstáculo. Na cozinha, a mesa está feita à altura da cadeira e não há armários altos, nem portas nos armários rentes ao chão. A porta da casa de banho é de correr, para evitar maçanetas difíceis de manusear, a sanita tem a altura acertada para quem se desloca em cadeira de roda e a torneira do lavatório pode ser aberta com um toque do braço, facilitando o trabalho a quem tem problemas de mobilidade dos membros superiores.
Quando vai a casa, o que acontece todos os fins de semana, Júlio depara-se com uma realidade bem diferente. “Nem preciso de chegar ao prédio, basta ter que andar pelos passeios estreitos e ver a falta de acesso do prédio”, salienta. Dentro de quatro paredes aguarda ainda que a seguradora faça as adaptações necessárias para que estejam reunidas as condições necessárias para que seja dada alta.
Enquanto espera pela hora da fisioterapia e pelo dia que marca o regresso a casa, Júlio conta com o apoio “a 100%” da mulher e dos filhos e do tratamento “que melhor não podia ser” de quem trabalha em Alcoitão. “Aqui não existe o utente 2 ou 3, existe o Júlio. Este pormenor faz muita diferença”, acrescenta Tiago Teixeira. Cá fora, terá novos passos para dar, mas o que importa é estar preparado para esse recomeço.