São horas de espera, sem ar condicionado, por entre dezenas de pessoas que se amontoam, algumas com crianças, tendo de ouvir conversas ao telemóvel que detalham escatologicamente a vida de cada um.
Quando finalmente chega a nossa vez, na bancada de trabalho dos funcionários está à nossa disposição, para assinar, uma petição contra a mudança destes serviços para o Parque das Nações – mudança que é pintada como o degredo para a Austrália no século XIX. O Parque das Nações é anunciado como o fim do mundo.
Estive há dias nesses serviços do Parque das Nações. Passei horas à espera da minha vez, tal como outras dezenas de cidadãos, na fila para o registo civil – mas na bancada ao lado meia dúzia de funcionários não fazia nada. Tinham um ar alheado, distraído, conversavam, riam, brincavam com o telemóvel. Perante a visão de uma sala em open space em que ao lado de uma série de funcionários atolados em trabalho, esforçados e a trabalhar, havia uns quantos entregues ao dolce far niente, mandei chamar a responsável.
A conservadora explicou-me que o trabalho estava dividido por especialidades. Os funcionários cheios de trabalho eram os do registo predial, do registo automóvel e do registo civil. Os desocupados eram os que faziam registo comercial, letras, livranças e heranças.
Perguntei-lhe o óbvio: se achava normal ter na mesma sala funcionários públicos a trabalhar e outros sem fazer nada. Voltou a responder-me que eram grandes especialistas e só podiam fazer registo comercial, letras, livranças e heranças. A conversa não correu bem, desde logo porque não existe tal especialidade, como devem imaginar. A conservadora acabou a quase admitir que não os conseguia forçar a fazer mais nada.
O que mais me chocou naquela situação não foi o total desperdício de funcionários desocupados. Chocou-me ver refletido naquela sala o estado da economia, com especial peso para a compra de imóveis e de carros — e a administração pública não se conseguir adaptar, muito menos dar resposta, às pessoas, à sociedade, à economia.
Chocou-me igualmente a iniquidade de tratar funcionários públicos de forma tão desigual e injusta. Uns são filhos, outros são enteados, sabendo nós que tal estilo de gestão de recursos humanos mina qualquer local de trabalho e a produtividade.
Esta semana houve uma greve da Função Pública. Se for para trazê-la para o século XXI, contem comigo. Se for para a manter no século XIX, ou seja, no tempo do funcionário público especialista em letras e livranças, esqueçam.