Quando a chanceler alemã disse domingo que os últimos dias de encontros com o novo presidente norte-americano a fizeram ver que os europeus só devem depender de si mesmos daqui em diante, o que fez não foi tanto sugerir o fim das relações transatlânticas como as conhecemos depois do fim da Guerra Fria – embora o receio exista -, mas insistir, acima de tudo, que o caminho para enfrentar o isolacionismo que pode assolar este ou outro qualquer líder americano é haver maior integração europeia. “A era em que podíamos confiar inteiramente nos outros, de certa forma, acabou”, disse Angela Merkel numa festa da cerveja na Baviera, provocando um mar de reações antevendo uma mudança sísmica na diplomacia de Berlim. Mas as declarações do fim de semana não são muito diferentes das que já se ouviam em janeiro, quando Merkel disse, por exemplo, que “não existem garantias ilimitadas de cooperação”. “É por isso que estou convencida de que a Europa e a União Europeia devem aprender a assumir mais responsabilidades no futuro.”
Se alguma coisa provou o fim de semana de diplomacia com o novo presidente americano é que esse futuro chegou. Trump recusou uma vez mais declarar o seu apoio explícito ao artigo 5.o da NATO, mesmo na cerimónia de inauguração de um monumento evocativo do 11 de Setembro e dessa única ocasião em que a cláusula da defesa mútua foi invocada na história da aliança. Os seus altos responsáveis já vieram afirmar que o governo americano se mantém do lado da cláusula que determina que um ataque a um parceiro é um ataque a todos, mas isso de pouco consolo serve aos líderes europeus, que já viram Donald Trump atropelar dezenas de promessas e subordinados em apenas quatro meses no poder. O seu discurso na nova sede da aliança, aliás, serviu sobretudo para recordar que um grande número de parceiros da NATO continua hoje sem cumprir a fasquia mínima dos 2% do PIB em despesa militar. Trump não parou por aí e voltou a associar a despesa militar em cada país à boa vontade americana em garantir a sua defesa. A Alemanha ouviu-lhe ainda as críticas de que é “muito má” no comércio e que Washington vai travá-la no número de carros que exporta. Esta não foi a primeira vez que um líder em Washington se queixou da despesa militar dos parceiros europeus. Ou que um aliado critica o comércio alemão. Mas o encontro estava pensado para fazer frente comum contra a Rússia e pela defesa da ordem liberal. Trump ficou de fora. Ao lado ficou Recep Tayyip Erdogan, o único a surgir ainda mais desajustado na fotografia.
De berlim a paris Berlim e Bruxelas não pretendem pôr em causa a aliança transatlântica. Fazê-lo seria económica e militarmente impensável. O mais provável é que o próximo presidente americano, para além disso, não partilhe a mesma disposição que Donald Trump em relação à NATO. Mas os centros de poder na Europa parecem aperceber-se agora de que a aliança mais duradoura da era moderna é, afinal, mais frágil do que pensavam e que essa fragilidade não se deve somente a haver um outsider instável na Casa Branca. Os líderes americanos continuam, na sua maioria, a acreditar que a aliança militar com os europeus é mais do que uma relação de custos e representa uma frente de valores comuns. Mas isso pode estar a mudar. Robert Gates, ao despedir-se como secretário da Defesa dos EUA em 2011, alertou para essa alteração na consciência americana. “Os futuros líderes dos Estados Unidos – aqueles para quem a Guerra Fria não foi a experiência transformadora que foi no meu caso – podem considerar que o retorno do investimento na NATO não justifica o seu custo.” Trump personifica esta mudança. E é o seu próprio responsável pela Defesa que o afirma. “A impaciência que o secretário Gates previa é agora uma realidade governamental”, disse James Mattis, citado na semana passada por Tomáš Valášek, investigador na Carnegie.
Merkel parecia tê-lo em conta no discurso na Baviera. E também Emmanuel Macron, de quem depende – e em quem parece confiar – para abrir uma nova fase de integração europeia, já sem a perspetiva de um veto britânico. Essa nova integração será militar, sim, mas também migratória e económica, segundo escreve o jornal alemão “Frankfurter Allgemeine Zeitung”, desvendando os três princípios daquilo a que chama o “plano secreto de Merkel para a Europa”. Para o conseguir, porém, a chanceler alemã tem de fazer cedências ao novo governo francês, que tem não só o maior exército, mas também o mais capaz e mais bem armado da comunidade. A defesa tem de passar por Paris, da mesma maneira que a arquitetura económica por Berlim. E, aqui, Angela Merkel pode negociar com Macron a sua proposta para um ministro e um orçamento da zona euro – Madrid defende-o também. O “Frankfurter” argumenta que um tema mais difícil será a proposta de criar obrigações comuns para os países da moeda única mas, como escreve o portal francês Mediapart, Merkel tem outros objetivos a satisfazer, como, por exemplo, nomear o atual presidente do banco central alemão para a liderança do BCE.
A perspetiva de um verdadeiro exército europeu continua distante e a sua utilidade duvidosa, mesmo que a Comissão Europeia o defenda e vá caminhando nesse sentido, ao anunciar em março, por exemplo, a construção do primeiro centro comum de comando para missões no estrangeiro. Mas existe uma grande diferença entre “dar luta e realmente vencer”, como lembra Valášek. E para possíveis inimigos como a Rússia, a capacidade conjunta europeia de pouco vale. Por isso é que os parceiros europeus da NATO começaram há três anos a aumentar os seus orçamentos de defesa e planeiam atingir o limiar mínimo dos 2% do PIB em 2024. A Europa depende da proteção dos Estados Unidos e sabe-o. Mas muito pode acontecer em sete anos.