Esta pergunta, que encontrei numa parede, em Sines, deixa espaço para a resposta, para qualquer resposta, que poderá ser dada por cada um de nós. Será que «a vida é um dia?» E a esta questão julgo que quase todos responderíamos que não. A vida é um contínuo, uma cadência, fluída ou não, de dias, de acontecimentos, de sentimentos, de sensações, de vivências.
Como escreveu Tolentino Mendonça: «A nossa vida está cheia de tempos. Precisamos identificá-los e tratar deles, como quem cuida de um tesouro. Não é a quantidade de tempo o mais determinante. Importante é perguntar-se o que fazemos do tempo e investir aí a matéria dos nossos sonhos».
Muitas vezes, as pessoas gostam de destacar momentos especiais e de escolher o melhor dia das suas vidas. É um exercício que pode ser interessante por nos pôr a pensar retrospetivamente sobre muito do que nos aconteceu, para, depois, selecionarmos o momento mais interessante. Ou não. Cruzeiro Seixas, quando questionado, respondeu, com a sua habitual ironia: «A vida é uma anedota dia a dia».
Habitualmente, a maioria das pessoas escolhe o dia do seu casamento, o do nascimento dos filhos ou outro igualmente marcante. Mas há quem tenha outras preferências, que denotam uma sensibilidade mais apurada, como a escolha do dia em que assistiram a um belo nascer do Sol, o dia em que, após mergulharem no Mar Egeu, comeram uma fresca talhada de melancia, ou o dia em que uma planta, que julgavam morta, voltou a dar flor.
São tantos os momentos marcantes da nossa vida que tal constatação é suficiente para responder à pergunta gravada na parede. A vida é mais, muito mais do que uma sucessão de acontecimentos. Num grito de espanto, Miguel Torga exclama: «Do que a vida é capaz!», absorto em seus pensamentos, a observar que «é um carvalho a nascer / Da bolota que cai!»
Mas, se considerarmos a voragem com que a vida nos devora, se a vivermos intensamente, sem nunca pararmos, então, toda a vida acaba por ser quase como um único dia, interminável, em que todos os minutos têm de ser aproveitados. Aí, então, é como se todo o tempo que dura uma vida fosse quase como um único dia, longo, profundo, duradouro. Neste caso, sentimos que a vida – a nossa ou a de outros – é vivida com grande intensidade. Por vezes, nem essa intensidade lhe dá sentido. E Ricardo Reis queixa-se, afirmando: «Vivo uma vida / Que não quero nem amo, / Minha porque sou ela, // No ergástulo de ser quem sou».
Num caso ou noutro, o que importa é usufruir da bênção de estar vivo e poder fazer da vida aquilo que se queira, estando onde se queira estar.
Escrito em parceria com o blogue da Letrário, Translation Services