Está prestes a terminar o longo e fraturante debate no interior do novo governo americano sobre se Donald Trump deve ou não retirar os Estados Unidos do praticamente universal Acordo de Paris para o combate às alterações climáticas. A decisão será anunciada “nos próximos dias”, segundo escreve esta quarta-feira o presidente americano no Twitter, mas as notícias que jorravam um pouco por todo o lado indicam que já há fumo branco. Ou, neste caso, negro, porque Washington parece estar prestes a retirar-se de um acordo assinado por quase todos os governos no planeta e tornar-
-se o terceiro país a não estar vinculado. Os outros são a Síria e a Nicarágua.
Nada está confirmado e o novo presidente americano já demonstrou o hábito de tomar decisões à última hora que contrariam semanas ou até meses de ponderação governamental. Trump mudou de ideias a horas de retirar os EUA do NAFTA, por exemplo, e vários responsáveis garantiam na última semana que o seu discurso em Bruxelas seria o momento em que o presidente declararia pela primeira vez o seu apoio explícito ao artigo 5.o da NATO. Trump não o fez, empurrando o seu governo para comunicados contraditórios que garantiam que o compromisso com o artigo estava implícito no espírito das declarações com que disciplinou os parceiros da aliança.
Os sinais que saíam esta quarta-feira de Washington garantiam que a ala mais conservadora e antiglobalista na Casa Branca venceu mesmo o debate interno sobre o futuro dos Estados Unidos no acordo. A disputa não foi pacífica. As principais potências tentaram o melhor na última semana para demover o líder americano, embora a própria chanceler alemã admitisse no fim do encontro do G7 que o debate sobre as alterações climáticas foi “muito insatisfatório”. Francisco tentou o mesmo no Vaticano, entregando abertamente a Trump a sua encíclica sobre a proteção do clima.
Na Casa Branca, figuras de relevo como Ivanka Trump, a filha do presidente, Rex Tillerson, o seu secretário de Estado, e congressistas da maioria republicana tentaram convencer o líder americano de que retirar os EUA do Acordo de Paris pode resultar num desastre diplomático que retirará autoridade ao país e abrirá portas a relações mais íntimas entre aliados como a União Europeia e adversários como a China.
Perderam a batalha para Steve Bannon e para a ala nacionalista, que defende acima de qualquer outra preocupação a política do “América em primeiro lugar” e procura preservar o apoio de importantes bases eleitorais como a Appalachia, por exemplo, a zona interior leste do país; ou da velha cintura industrial, ambas desagradadas com as políticas ambientais de Obama e alimentadas pelas promessas de revitalização das indústrias de gás natural, carvão e petróleo que lhes fez Trump.
Futuro negro
O mundo pode esperar consequências climáticas graves e os Estados Unidos também devem antever repercussões. O principal objetivo do Acordo de Paris é assegurar que o aquecimento global se mantém a níveis inferiores aos 2 graus Celsius em relação à temperatura média que antecedeu a Revolução Industrial – a partir deste patamar, o planeta perderá parte da capacidade para arrefecer; as secas, inundações e tempestades serão muito mais frequentes e violentas; e centenas de espécies de flora e fauna podem desaparecer. Antes desse nível, também, mas o limiar foi estabelecido aí.
Os Estados Unidos são o segundo país mais poluente no mundo, atrás apenas da China, e recuar nas metas para a redução dos gases de estufa vai prejudicar o esforço global negociado em Paris – que, segundo muitos cientistas, já é pouco ambicioso e pode falhar. Para além disso, o acordo assinado em dezembro de 2015 não contempla obrigações legais: a sua autoridade, como escreve o “Financial Times”, reside acima de tudo no risco de exclusão política internacional.
No caso dos países em desenvolvimento, a disciplina surge pelas volumosas ajudas financeiras que as grandes potências prometem para a transição para energias pouco poluentes. Barack Obama, por exemplo, prometeu três mil milhões de dólares para um fundo de energias renováveis destinado a ajudar nações mais pobres. Washington pagou até agora apenas mil milhões de dólares e Trump pode cancelar o compromisso. O novo governo propõe também cortes drásticos no financiamento para a ONU, o que atingirá os fundos destinados ao combate às alterações climáticas.
“As decisões dos Estados Unidos vão certamente ter um efeito de contágio noutras economias emergentes que só agora estão a levar as alterações climáticas a sério, como a Índia, Filipinas, Malásia e Indonésia”, explicava esta quarta-feira ao “New York Times” Michael Oppenheimer, professor de Geociência em Princeton e membro do painel sobre as alterações climáticas das Nações Unidas.
Guterres & CO
O argumento contrário é o de que a retirada dos Estados Unidos pode ser melhor do que Trump manter o país no acordo e tentar reduzir as metas. Abandonar o acordo e navegar contra o grande consenso político global – no que diz respeito às alterações climáticas – não permitirá a Trump repetir o que George W. Bush fez sem mácula em 2001, quando decidiu abandonar o Protocolo de Quioto, argumentando – como não pode fazer agora o novo presidente – que os países em desenvolvimento não fazem parte do entendimento.
O “Financial Times” avançava esta quarta que UE e China vão apresentar esta semana uma iniciativa conjunta de combate às alterações climáticas para contrariar a exclusão dos EUA. “A iniciativa ecológica tornou-se uma medida-chave para o estatuto moral e diplomático de um país”, explica Paul Bledsoe, um antigo responsável da Casa Branca de Bill Clinton. António Guterres vai fazer parte dessa frente de pressão e alertou para isso esta semana. “Se um país decide deixar um vazio, garanto que alguém vai preenchê-lo”, disse o secretário-geral da ONU em Nova Iorque.