Na semana passada, jovens da Geração i de todo mundo reagiram nas redes sociais à entrevista que o milionário Tim Gurner, de 35 anos, deu ao programa australiano “60 minutos”. Com uma fortuna de mais de 500 milhões de dólares, o empresário disse que os jovens da Geração Y (a Geração i em destaque nesta rubrica semanal)_poderiam vir a possuir e comprar casas próprias se comessem menos tostas de abacate. Segundo o magnata de Melbourne “as expectativas dos jovens estão muito altas, querem comer fora todos os dias e viajar pela Europa todos os anos”.
No Twitter não faltaram respostas, entre elas a de Sarah, que não gostou do recado. “Gastei todo o meu dinheiro de abacate a pagar a renda do meu apartamento, ou talvez no meu passe de autocarro. Sou mesmo uma má millennial”. Houve ainda quem apresentasse uma fatura detalhada. “Renda: 800 $, Empréstimo de estudante: 500 $, Seguro de saúde: 300$, Medicamentos: 100$, Tosta de Abacate: 0$ – Devo ser só um millennial exausto #afundadoemdívidas”.
Esta teoria em torno das prioridades de consumo dos millennials não é novidade. Um cronista australiano, no ano passado, disse ter visto “jovens a pedir abacate esmagado com feta desintegrado em cinco grãos de pão torrado por 22 dólares. Eu posso dar-me ao luxo de comer isso ao almoço, porque sou de meia-idade e já criei a minha família. Mas como é que os jovens podem dar-se ao luxo de comer assim? Não deveriam economizar comendo em casa? Quantas vezes comem fora? Vinte e dois dólares várias vezes por semana poderiam ir para um depósito para comprar uma casa”.
José Francisco, millennial e economista emigrado em Londres, considera que há provavelmente várias causas para este cenário. “A primeira estará relacionada com o simples facto de, em várias áreas do tecido produtivo, o aumento dos salários não ter acompanhado o aumento dos preços médios dos imóveis. Isso leva a que a própria ideia de adquirir casa pareça remota e, por questões de poupança, sejam desencorajados de o fazer. Outra causa pode ser simplesmente o desinteresse desta geração em grandes compras – carros, casas, televisões vs. gastar dinheiro em experiências como viajar, ou ter a liberdade de mudar de cidade/país sem o peso de deixar para trás uma casa”, diz o economista, que aponta ainda uma terceira causa, relacionada com as redes sociais. “Levam as pessoas a terem expectativas irrealistas em relação ao que é um estilo de vida normal e daí gastarem mais dinheiro.”
Não há almoços grátis
Segundo os estudos sobre o consumo dos millenials, os jovens da geração nascida entre os anos 1985 e 1995 estão a tirar mais proveito da grande oferta existente no que toca a restaurantes de comida rápida e casual ou em serviços de restauração que transportam ao local de trabalho e a casa refeições prontas e económicas. Uma análise do TD_Bank sobre hábitos de consumo dos millennials, publicada em 2016, revelou que 81% viam como mais provável gastar o seu dinheiro em viagens, 65%_em refeições e 55% em fitness. Jeff Desjardins, do site de empreendedorismo digital Visual Capitalist, diz que isto revela dão mais valor às experiências do que aos bens materiais, daí que as viagens sejam a primeira grande prioridade desta geração._“Para eles, sair é uma experiência que funciona como um alimento material”. Segundo o estudo do TD Bank, apesar de terem novas preferências, os millenials gastam menos do que as gerações anteriores. A única categoria em que gastam mais é em fast food (ainda que as opções mais saudáveis) e em café.
Ana, de 36 anos, admite que gasta sobretudo dinheiro a comer fora. Almoça e janta fora, em locais económicos e explica que o faz porque precisa “de uma pausa fora do local de trabalho durante o dia, para arejar a cabeça, e à noite, depois de um dia de trabalho não tenho hábito nem paciência para ainda ir cozinhar”.
Novas formas de consumo
Não é o que compram que é diferente, mas também como compram. As compras na internet e serviços de economia partilhada fazem parte do dia a dia, seja a Uber e outras plataformas que permitem boleia em grupo ou a preferência por dormir em casas de desconhecidos através do couchsurfing ou do Airbnb.
Nas saídas à noite, por exemplo, os millennials compram as bebidas em supermercados e lojas de conveniência, levam os ingredientes para os jantares que fazem em casas de amigos e convivem mais na rua e em casas uns dos outros do que em discotecas e bares em que se pagam entrada. O estudo do TD_Bank revela que, “apesar dos millennials saírem à noite o dobro das vezes das outras pessoas, gastam menos por mês em compras do que os mais velhos”.
É o caso de Joana, com 23 anos. “Compramos as bebidas no supermercado porque curtimos que nos saia mais barato e assim cada um leva aquilo que gosta de beber”, explica. “É muito mais acolhedor e divertido fazer festas em casa de amigos porque podemos pôr a nossa própria música e dá para estarmos mais à vontade, na nossa intimidade e naquelas palermices que só fazemos quando nos sentimos em casa” .
O mesmo estudo diz que apesar destes jovens serem mais atentos à comida saudável e ao que se deve ou não ingerir, a verdade é que o preço ainda é o grande fator de decisão no que toca a escolher o que metem no prato. Na “Business Insider”, Jeff Desjardins, da Visual Capitalist defendeu recentemente que apesar da mudança geral do mundo em direção a uma alimentação mais saudável, pode surpreender que o McDonald’s tenha atingido o maior valor em ações na bolsa se sempre. “Parte das razões está no facto de os millennials (embora o neguem se confrontados com a questão) ainda serem cortejados pela conveniência. Restaurantes como o Mcdonald’s ainda ganham muitos pontos pelo preços que praticam, o que tem um grande apelo para uma geração sem dinheiro”, escreveu o empresário da área dos media.
Tiago Viegas, publicitário português, considera que, em Portugal, sempre houve gente com mais ou menos poder de compra devido à estratificação social. “O que os millennials trouxeram como desafio foi a forma como lhes fazemos chegar a mensagem da marca, porque eles sim são muito informados. Procuram sobre a marca e sabem o que estão a comprar, mas o que mudou mesmo foi a forma de consumirem publicidade, mudou o canal, o meio”.
Um estudo de 2015 da “Forbes” em parceria com a Elite Day indicava que apenas 1% dos jovens desta geração se mostrou convincente quanto a confiar na publicidade de uma marca, daí que instalam nos seus computadores, tablets e telemóveis ferramentas para ignorar os anúncios que lhes surgem em plataformas como o Youtube.