Para já, a FIFA limita-se a um muito lacónico “estamos a acompanhar a situação e em contacto frequente com o comité de organização”.
Comité de organização do campeonato do mundo de 2022, como está bem de ver, agendado para o Catar, país que se encontra repentinamente a braços com um bloqueio levado a cabo por alguns dos seus países vizinhos do golfo Pérsico – Arábia Saudita, Bahrain e Emirados Árabes Unidos –, bem como Iémen e Egito, acusado de patrocinar movimentos terroristas. O bloqueio pode ter sido repentino, sobretudo para quem acompanha à distância os desenvolvimentos políticos na região, mas a hostilidade não é de hoje. O fecho das fronteiras por parte dos sauditas é particularmente relevante, já que falamos da única fronteira terrestre de um pequeno país que não passa de um enclave.
No final do ano passado tivemos a oportunidade de estar em Doha durante a realização da XXI Assembleia-Geral dos Comités Olímpicos Nacionais, inseridos num grupo de jornalistas idos dos mais diversos pontos do globo. A viagem foi, naturalmente, aproveitada para se perceber em que ponto estava a evolução das infraestruturas que irão receber o Mundial. Faltam mais de cinco anos – disputar-se-á, devido às altas temperaturas do verão na zona, nos meses de novembro e dezembro –, mas isso não invalida que, neste momento, todas as obras postas em marcha, e que se destinam a dotar um território de 11 586 quilómetros quadrados de 12 estádios de futebol, possam sofrer atrasos muito significativos. O bloqueio provocará danos no movimento portuário, fundamental para a chegada de materiais de construção, e na navegação aérea, com prejuízos evidentes para a companhia-bandeira, a Qatar Airways, proibida de atravessar os espaços dos países que o promoveram. Curiosamente, a Qatar Airways é um dos patrocinadores do organismo que regula todo o futebol mundial, a FIFA, e sua companhia aérea oficial até 2022.
Embrulhada A FIFA vê-se, assim, numa embrulhada, e os seus novos dirigentes, que tomaram o lugar da administração Blatter, continuam a ter uma batata quente nas mãos desde o dia em que foi anunciado o nome do Catar como organizador do campeonato do Mundo de 2022. Sim, porque convém não esquecer que, antes da chegada de Infantino à presidência da FIFA, as acusações de suborno a vários dos membros do antigo comité executivo, responsável pela escolha dos países organizadores, abalaram como um terramoto a candidatura catari.
Percebe-se, por um lado, o relativo silêncio da FIFA e, por outro, uma preocupação em relação à matéria. Ainda por cima quando Reinhard Grindel, presidente da federação alemã, atual campeã do mundo, mostrou sem reservas a sua contrariedade: “Devíamos estar todos de acordo num ponto: não ser possível atribuir a organização de grandes manifestações desportivas a países que estejam, seja de que maneira for, ligados a grupos terroristas.”
Com a ambição de se candidatar a país–sede de um dos próximos Jogos Olímpicos, aproveitando as infraestruturas do Mundial, o Catar torna-se agora uma questão maior nos bastidores (para já) das confederações desportivas internacionais. Até porque tem sido palco de vários eventos de cariz mundial, como provas de ciclismo e de Fórmula 1 ou torneios de ténis. A família Al Thani não governa apenas o país. Tem, igualmente, o poder sobre a Federação de Futebol do Catar, sobre o Comité Olímpico Catari e sobre o Supremo Comité de Organização do Mundial-2022. A beligerância de vários países vizinhos terá agora de ser tratada com a célebre arte de negociação árabe. A chegada de mão-de-obra ao país, bem como as dificuldades na obtenção de matérias-primas essenciais, não deixará de prejudicar o andamento do projeto. A comunidade internacional não tardará a manifestar-se. O bloqueio dará lugar, sem dúvida, a embargos de toda a espécie e, inevitavelmente, desportivos. Veremos se não se anunciarão para o campeonato do mundo do Catar boicotes mortíferos.