Reino Unido. Eleições de ninguém

Jeremy Corbyn e Theresa May podem sair os dois derrotados das eleições de hoje. O primeiro nas urnas, a segunda em tudo o resto

O contraditório e desalinhado universo das sondagens britânicas torna impossível prever com minúcia o que acontecerá hoje nas eleições que a primeira-ministra Theresa May convocou em abril. O cenário mais provável é os seus conservadores revalidarem a maioria absoluta e até aumentarem a margem atual de cinco deputados. É o que diz a média de sondagens, o que indica a maior parte dos analistas, aquilo a que May se propôs e o resultado para o qual os dois principais partidos se vêm preparando. Mas o diagnóstico é enganador. A primeira-ministra britânica até pode melhorar a maioria que David Cameron conquistou em 2015 e de alguma maneira validar a liderança que herdou internamente. Mas à semelhança de David Cameron, que deu um tiro no pé ao convocar um referendo sobre a comunidade europeia que esperava vencer, também Theresa May sairá lesada das mesmas eleições que convocou para se fortalecer. Pode ganhar nas urnas e perder em quase tudo o resto.

Ninguém fora dos conservadores avalia positivamente a campanha de Theresa May e mesmo esses condenam-na em privado. A líder britânica começou com uma vantagem de cerca de 20 pontos sobre os trabalhistas de Jeremy Corbyn, que então eram considerados inelegíveis por consenso absoluto. A vantagem conservadora destes dias não é fácil de avaliar (ver texto ao lado), mas a média de sondagens britânicas atribuía ontem um défice de menos de seis pontos à oposição. As feridas eleitorais conservadoras, para além disso, foram auto-infligidas e começaram com uma desastrosa proposta que abria as portas a um aumento de contribuições para o Serviço Nacional de Saúde para os mais velhos e reformados. A imprensa atirou-se imediatamente à ideia, a oposição também, a alcunha “imposto da demência” pegou e May viu-se obrigada a trocar as voltas ao programa poucos dias depois de o apresentar. “Nunca antes um líder de partido teve de abandonar uma promessa de manifesto antes de uma eleição”, documenta James Forsyth na revista “The Spectator”. 

O “imposto da demência” foi um choque importante mas apenas o início do descalabro. May queria uma campanha sobre o Brexit e sobre quem conseguiria negociar o mais favorável acordo para o Reino Unido. Em vez disso, a primeira-ministra viu-se a braços com eleições em torno de temas sociais e a sua própria instabilidade. O lema “strong and and stable” tornou-se rapidamente motivo de paródia e até o ultra-conservador “Daily Mail” publicou na última semana uma fotografia em que no autocarro de campanha se lia “weak and wobbly”. À imprensa, responsáveis conservadores queixavam-se de não saberem as prioridades do programa e das dificuldades em explicá-las aos eleitores. 

Contrapeso

Jeremy Corbyn, que semanas antes parecia preparado para uma das piores derrotas trabalhistas e um novo desafio à sua liderança, viu-se subitamente a trepar nas sondagens e discursar para mais e mais milhares de pessoas. Corbyn caminha para a derrota, mas sai revitalizado e blindado – pelo menos temporariamente – contra mais golpes internos, como argumenta George Eaton na “New Statesman”. “A campanha dos trabalhistas desafiou as expectativas mais apocalípticas. Em vez de se afundar, o apoio ao partido aumentou. A vantagem dos conservadores cortou-se pelo menos em metade, mesmo nas medidas mais desastrosas (para os 11 pontos), e caiu para apenas um ponto nas mais otimistas. Crucialmente, isto deve-se à campanha trabalhista e não apesar dela. O seu manifesto, repleto de propostas populares, foi bem recebido, assim como as aparições televisivas de Corbyn (a sua avaliação melhorou de -42 pontos para -2). A campanha disciplinada do Labour mostrou-o na sua melhor luz – quando se dirige a grandes comícios – e evitou as divisões que contaminaram Ed Miliband em 2015.”

O terrorismo irrompeu de surpresa na campanha e uma vez mais o seu impacto prejudicou May e não Corbyn, embora os partidos de direita sejam tradicionalmente os que mais beneficiam nesses casos. Depois do ataque em Londres May parecia responder aos números negros ao defender uma resposta mais dura contra o terrorismo e a sugerir que Corbyn desculpava os atacantes quando afirmou que o Reino Unido tem que responder a perguntas sobre as suas intervenções no Médio Oriente. Novo tiro no pé: May viu-se na difícil posição de defender os cortes no número de polícias dos seus anos como ministra do Interior. Apesar disso, a primeira-ministra carregava ainda ontem na tecla da severidade apesar das críticas, prometendo endurecer a lei sem contemplações. “Se os direitos humanos nos impedirem de o fazer, mudaremos essas leis para conseguirmos.”