Em quatro horas de audiência o antigo diretor do FBI chegou o mais próximo que conseguiu de sugerir que Donald Trump lhe deu ordens para que arquivasse uma investigação ao seu então recém-demitido conselheiro para a Segurança Nacional sem, no entanto, dizer que o presidente americano cometeu um crime de obstrução de Justiça, o que, em teoria, seria razão suficiente para iniciar um impeachment.
James Comey, que Trump despediu em maio dizendo que era “um desvairado” e que estava a pressioná-lo desnecessariamente com o processo dos laços russos à campanha, prestou declarações esta quinta-feira no Congresso sobre as notícias de que o presidente lhe pedira em privado – e à revelia do procurador-geral americano – que “deixasse passar” a investigação a Mike Flynn, o conselheiro que foi obrigado a demitir-se por ter mentido sobre encontros e conversas com diplomatas russos.
As notícias sobre esse encontro de fevereiro foram parar ao “New York Times” por decisão do próprio James Comey, que esta quinta-feira admitiu querer espoletar um abanão na investigação e forçar o Departamento da Justiça a nomear um conselheiro especial que desse garantias de ser independente, como acabou por acontecer.
O mais notável das declarações do antigo diretor do FBI não foi apenas o confirmar que, na sua impressão, o presidente o tentara pressionar no caso de Flynn e procurara construir uma relação de “patronato”. Comey acusou também a Casa Branca de o denegrir, de publicar “mentiras, pura e simplesmente” sobre o estado do FBI e a sua demissão, e da urgência que sentiu no primeiro encontro com Trump de documentar os encontros. Porquê? “Uma combinação de coisas”, disse Comey. “As circunstâncias, o tema das conversas e a pessoa com que estava a interagir. Estava honestamente preocupado que ele fosse mentir sobre a natureza do nosso encontro e pensei que era importante documentá-lo.”
Caso em aberto
A audiência de James Comey não arruma assunto nenhum, uma vez que a investigação às ligações russas e aos próprios encontros entre Trump e Comey está nas mãos de um conselho especial, mas esclarece que, na perspetiva do antigo diretor do FBI, o presidente tentou dar-lhe “uma direção” ao sugerir que arquivasse o caso de Flynn.
No resto, porém, disse que não lhe cabe a ele julgar um possível crime de obstrução de justiça e esclareceu que o presidente se parecia apenas referir ao processo do seu ex-conselheiro e não à investigação total das ligações russas, sobre a qual Trump até manifestou vontade de ver levada às últimas consequências.
“O presidente disse-me que seria bom saber se alguns parceiros ‘satélite’ fizeram algo errado”, disse Comey, defendendo a decisão de não denunciar antes as conversas com o presidente porque podiam interferir na investigação e simplesmente porque, no momento, “fiquei banzado” – disse algo de semelhante sobre um jantar em que Trump lhe exigiu “lealdade” e Comey prometeu apenas “lealdade honesta”.
O comité a que Comey falava esta quinta-feira era composto por senadores dos dois partidos. Os legisladores republicanos tentaram, em parte, fazer passar as declarações do presidente como tentativas inocentes de ganhar a confiança do então diretor do FBI – o porta-voz da Câmara dos Representantes, Paul Ryan, defendeu Trump dizendo que ele é “um novato” na política. Essa não foi a avaliação de Comey. “Existe uma grande diferença entre mandar altos responsáveis para fora da Sala Oval, olhar o diretor do FBI nos olhos e dizer que espera que possamos deixar isto passar… aí fiquei congelado.”