Irão. Ataque ao cisma

Os jihadistas queriam atingir o centro de poder xiita há uma década. As consequências previsíveis são, para já, um reforço de segurança na capital

Os extremistas do Estado Islâmico queriam há muito atacar o coração da fé xiita, os apóstatas contra quem vêm combatendo política e militarmente nos lugares onde hastearam a sua bandeira negra e branca. Tentam-no desde que o grupo estava ainda na família da Al-Qaeda e al-Zarqawi era seu líder, e ontem conseguiram-no finalmente. Duas equipas de terroristas, alguns armados com coletes explosivos, outros disfarçados de mulheres e todos com espingardas automáticas, atacaram o edifício do parlamento e o mausoléu do líder da revolução iraniana, o aiatola Khomeini. Um terceiro grupo foi detido antes do ataque, segundo as autoridades iranianas. Ao fim da tarde de ontem contavam-se 12 mortos e mais de 30 feridos.

O ataque ao parlamento foi o mais violento. Quatro homens vestidos de mulher entraram no edifício pela porta principal e começaram a disparar indiscriminadamente contra os funcionários, jornalistas e outros visitantes. Tentaram sem sucesso entrar na sala do hemiciclo, que foi encerrada de emergência, com dezenas de deputados no interior. Nesse momento, o presidente do parlamento disse aos presentes que decorria “um incidente menor” e que as forças de segurança rapidamente lidariam com os terroristas. Lidaram, mas não com essa rapidez. O ataque ao edifício durou quatro horas, os terroristas tiveram tempo de gravar um vídeo para a agência do Estado Islâmico e um deles ainda saiu à rua para disparar contra peões. “Pensavam que nós íamos partir?”, lança um dos atacantes no vídeo. “Vamos continuar aqui, se Deus quiser.”

Onze pessoas morreram no parlamento – não contando com os atacantes, que acabaram abatidos pela polícia, e um deles ainda se fez explodir. A outra vítima morreu no mausoléu de Khomeini, local de peregrinação a alguns quilómetros a sul do centro de Teerão. Aí, uma mulher fez explodir o seu colete de suicida depois de disparar, com mais um terrorista, contra as pessoas que lá se encontravam. O parceiro suicidou-se com uma cápsula de cianeto ou foi abatido pela polícia, dependendo do relato. O número de vítimas surpreende por ser reduzido, uma vez que os dois atacantes entraram no edifício e só foram travados uma hora e meia mais tarde.

As primeiras consequências do atentado de ontem em Teerão vão sentir-se nas medidas de segurança da capital. Este é o momento mais grave de violência no país desde a revolução de 1979 e o próprio edifício do parlamento está já a sofrer remodelações na mesma porta principal utilizada ontem pelos atacantes. O grupo extremista parece também redobrar esforços para atacar o coração xiita no Médio Oriente, publicando em abril um vídeo com recrutas a falarem farsi e a treinarem para um suposto ataque contra a capital iraniana.

As repercussões políticas do primeiro atentado jihadista em solo iraniano são menos previsíveis. Os órgãos de poder mais conservadores podem aproveitar o ataque para agir contra o governo de Hassan Rouhani, que tenta fazer reformas moderadas no país, mas é acusado de fazer cedências a americanos e sauditas. O supremo líder al-Khamenei menorizou o ataque e chamou “fogo- -de-artifício” às explosões, mas os guardas revolucionários apontaram diretamente o dedo à Arábia Saudita, mencionando para além disso a recente visita de Trump, em que o líder americano se colocou do lado sunita do cisma religioso no Médio Oriente. O presidente americano, num dia em que o Congresso devia aprovar as primeiras sanções contra Teerão depois do acordo nuclear de 2015, não falou sobre o atentado e deixou uma nota de censura para o Departamento de Estado, que só reagiu horas depois dos acontecimentos.