Desde que em 2002 foi alterada a Constituição e decretada a realização de eleições legislativas imediatamente a seguir às presidenciais, que em França é ponto assente que o partido que obtém maior representação na Assembleia Nacional, é também o partido do novo inquilino do Palácio do Eliseu. Tendo em conta as primeiras projeções da ronda inaugural da votação de ontem, tudo indica que o cenário é para manter. De acordo com as estimativas publicadas pela Ipsos/Sopra Steria, o La République en Marche! (LREM), de Emmanuel Macron, conseguiu juntar 32,2% dos votos e aponta à eleição de 390 a 430 deputados, números que, a confirmarem-se, podem dar ao presidente francês uma impressionante maioria, bem acima dos 289 necessários para liderar o parlamento.
Para os mais distraídos, e tendo em conta o passado recente, este aparente triunfo do partido do jovem chefe de Estado – que apenas será confirmado na segunda e derradeira volta, a realizar-se no próximo domingo, dia 18 – não é propriamente uma surpresa. Mas há que lembrar que o LREM tem pouco mais de um ano de existência e, enquanto partido político, ultrapassa por poucos dias o mês de atividade. Num sistema político dominado e enraizado nos partidos da esquerda e direita tradicionais, a possibilidade de vitória folgada de um partido recém-criado é obra e, na sequência da eleição do seu máximo representante, confirma a mudança de paradigma na paisagem política francesa.
Os Republicanos – que eram apontados pela maioria dos analistas franceses como aqueles que estariam em melhor posição para viabilizar uma maioria parlamentar, caso a LREM não conseguisse eleger deputados suficientes – terão conseguido apenas 21,5% dos votos, ao passo que o Partido Socialista está na iminência de lograr uns humilhantes 10,2%, atrás da Frente Nacional (14%) e da França Insubmissa (11%) a coligação de esquerdas de Jean-Luc Mélenchon.
Tendo em conta estas percentagens e as alianças que poderão ocorrer depois da eleição de todos os 577 deputados – 539 representantes de França continental, 27 dos territórios ultramarinos e outros 11 dos emigrantes – estima-se que os conservadores consigam eleger entre 85 a 125 deputados, a extrema-direita entre 3 a 10, a esquerda radical entre 11 a 21 – em aliança com o comunistas – e os socialistas entre 20 a 35 – em coligação com os seus aliados. Outros 7 a 10 lugares deverão ser ocupados pelos restantes partidos que concorrem às legislativas deste mês de junho.
A revolução política que está em marcha em França, oficialmente desde a eleição, no passado dia 7 de maio, de um ex-banqueiro, de 39 anos, com pouca experiência no exercício de cargos públicos, está, portanto, na iminência de se completar, já no próximo domingo. Mas há um dado que deve preocupar Macron: a reduzida participação. Quer se explique por desinteresse, mero enfado eleitoral ou descrença no estado atual da política francesa, tudo indica que a abstenção tenha atingido níveis recordes, superiores a 51%. Numa mensagem publicada no Twitter, o ex-candidato presidencial Nicolas Dupont-Aignan, acredita mesmo que esta abstenção “coloca gravemente em causa a legitimidade do futuro parlamento”. Já Marine Le Pen, da Frente Nacional, defende que “está em causa o modelo de escrutínio” e chama “todos os patriotas” a participarem na segunda ronda.
À primeira volta das eleições legislativas de ontem concorreram 7882 candidatos. De acordo com o sistema eleitoral francês, aqueles que tiverem logrado mais de 50% dos votos são automaticamente eleitos pelo círculo eleitoral pelo qual concorrem, sendo que os que superem os 12,5%, apuram-se para derradeira ronda. Nesta última etapa, é eleito o candidato com mais votos.
Nomes fortes dos socialistas como o candidato presidencial Benoît Hamon ou o secretário-geral do partido, Jean-Cristophe Cambadélis, foram eliminados na primeira volta, nas suas circunscrições, ao passo que, por exemplo, Le Pen ficou a escassos 4% de vencer o círculo de Pas-de-Calais, pelo que terá de disputar a próxima ronda.