Ora, a liberdade concede-nos todas as possibilidades – a de viver só, a de viver em conjunto e, mesmo, a de não viver. É a liberdade que nos garante a possibilidade de vivermos como quisermos, de fazermos o que entendermos, para não nos vermos na situação, exasperante, descrita por Nuno Júdice: «”Quem / és?”, perguntou à sua imagem; e não se espantou / com o silêncio que lhe respondeu…»
Na frase escrita na parede, Fernando Pessoa afirma que quem não consegue viver só nasceu escravo, e, no livro citado, acrescenta a esta ideia a de que «A morte é uma libertação porque morrer é não precisar de outrem». Percebo, naturalmente, a mensagem, mas, à partida, não concordo com ela. Até porque o Homem não nasceu para viver sozinho, nasceu para viver com os demais e é com eles que realiza a sua verdadeira essência, o seu ser social. Como afirma Sophia de Mello Breyner Andresen: «O meu interior é uma atenção voltada para fora». Todos nós necessitamos do exterior, dos outros, para viver.
Sozinho qualquer um de nós de pouco vale. É na interação com os demais que conseguimos estabelecer relações, em pequenos ou grandes grupos, numa sociedade onde se cria cultura, riqueza, onde se produzem alimentos, onde se definem leis, onde se estruturam as várias esferas da sociedade em que o Homem – ser social por natureza – vive. Porque, no fundo, servindo-me das palavras de Jorge de Sena: «Nada que fui, de mim não fica nada». Só daquilo que coletivamente conseguimos…
É claro que há momentos em que cada um de nós precisa de estar só, em que, na sua solidão, reflete sobre o que é e o que quer ser, em que procura afastar-se de todos para estar consigo mesmo. E se cada um de nós não consegue enfrentar o isolamento ou a solidão, não é porque nasceu escravo, é porque nasceu vocacionado para a vida com os outros.
Só os outros podem dar-me a medida do que sou. Posso ser uma excelente pessoa, mas se, na interação com os outros, sou irritadiça, sem paciência, intolerante, então deveria questionar-me sobre se sou mesmo a tal excelente pessoa que pensava ser. Apesar de ser verdade que, como afirma Clarice Lispector: «Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro». Afirmação, esta, irónica, mas tão sábia…
E alguém que não consegue viver com os outros, que não consegue alegrar-se com as alegrias desses outros e preocupar-se com as correspondentes tristezas, mais vale que viva na solidão, porque considera que os outros não são boa companhia para si. E, como diz o ditado, «antes só que mal acompanhado»…