O cheirinho a sardinha assada e o som de música popular portuguesa dão vida aos arraiais. Com o feriado no dia seguinte, a noite de Santo António levou muitas pessoas às ruas de Lisboa para conviverem e dançarem ou então apenas para se sentarem nas tasquinhas a comer e a beber.
Ao início da noite, perto das 22h, o Largo da Graça já estava animado, com a rua enfeitada com luzes e bandeirinhas coloridas. O ambiente de festa era completado pela boa disposição de alguns que usavam chapéus de todos os tamanhos e feitios como sardinhas, manjericos ou a auréola de Santo António. Ao primeiros compassos de Quim Barreiros, forma-se logo um comboio de gente a dançar, uma das composições habituais nos bailaricos. Conhecidos e desconhecidos alinham na brincadeira e entre copos e risos marca-se o passo para as horas de folia que se seguem.
Enquanto para uns basta a tradição, outros entretêm-se com telemóveis e câmaras fotográficas. Entre selfies tremidas e desfocadas está Cátia Rosa, jovem de 20 anos que desde pequena se lembra de ir para a rua nas festas de Lisboa. O programa dura várias semanas mas Cátia prefere a noite de Santo António. “É a mais divertida”, justifica. É também a mais confusa, mas nem isso demove quem cresceu habituado aos festejos. Repete-se a dose todos os anos, pela “animação e convívio”.
Angelina Pereira, de 68 anos, também não abdicou de ir dar um pezinho de dança no bailarico da Graça. Apesar de morar em Lisboa, é a primeira vez que se junta aos foliões na noite de 12 de junho. E embora esteja a gostar da experiência, é rápida a dizer que não tornam a apanhá-la lá. “É a primeira e a última noite”, sorri, pois a idade já não permite andar tanto e são muitas as ruas a calcorrear até chegar ao epicentro da festa. De resto, o ambiente foi ao encontro das expectativas. E apesar de saber que neste tipo de noites pode sempre haver problemas e confusões, Angelina sentia-se segura no meio da multidão.
Nos arraiais não se vislumbram polícias armados, só nas barreiras que cortam as ruas ao trânsito ou mais dentro do metro e nas saídas.
Patrícia Soares também não se sente incomodada com a multidão e garante que se sentiu segura desde que chegou à festa. Tem 30 anos e admite que durante os últimos anos esteve afastada dos arraiais, mas desta vez decidiu aproveitar a noite. “Vim muitos anos seguidos aos arraiais, depois afastei-me disto durante quatro anos, mas agora voltei”, diz, acrescentando que sempre que veio à festa foi na noite de Santo António. Mais não dá tempo para dizer porque há que continuar o caminho.
Entre caras alegres, os vendedores multiplicam-se pelas ruas. Se há quem apregoe balões e brinquedos de todo o género, como coroas com luzes para mete na cabeça, no meio das barracas brancas, iluminadas pelas luzes penduradas, está a barraquinha de Sandra Jacinto, uma das poucas vendedora de pipocas, algodão doce e outras guloseimas da Graça. Cada saquinho de pipocas custa dois euros, assim como o algodão cor de rosa que prende a atenção dos mais novos. Sandra tem 41 anos e é auxiliar de educação, mas já há quatro anos que tem esta dupla ocupação de vender doces nas festas da cidade. De ano para ano, nota algumas diferenças nas festas. “Este ano há mais gente”, resume, acrescentando que o aumento se nota sobretudo no número de turistas. Os preços mantêm-se de ano para ano, garante, e esta é uma boa noite boa para o negócio. “Durante os santos, a noite de Santo António é a que mais rende.”
Em direção a Alfama Descendo da Graça para os arraiais de Alfama, encontram-se ruas cortadas e cheias de gente. Há assadores em muitas portas, com febras e sardinhas na grelha. O fumo constante dos assados perfuma a cidade. A música que passa já é conhecida e, por isso, muitos acompanham aos berros os sucessos da música popular da portuguesa.
Uma das características das festas da cidade é que muitas associações e clubes estão de portas abertas noite dentro. É o caso do Clube do Sargento da Almada, fundado a 22 de fevereiro de 1975, composto por associados que tenham sido ou são sargentos na Marinha ou Forças Armadas.
O presidente, Rui Nogueira, é militar, tem 42 anos e conta que só na noite de Santo António é que estão abertos. “Abrimos porque é tradição do clube”, explica, acrescentando que a afluência é outro bom motivo. Nestes dias, trocam as fardas por uma t-shirt descontraída e servem cerveja, sangria, sardinhas e bifanas, que estão sempre a sair.
No coração de Alfama, não faltam barraquinhas de comes e bebes. Além de cabeças, o que se vê mais são pratos de sardinhas ou sardinhas no pão e muitas das pessoas aproveitam para descansar as pernas e fugir à multidão, sentando-se nas mesas das tasquinhas a petiscar. Vanda Ferreira tem 33 anos e serve petiscos em Alfama há dois anos. Este ano sente que a clientela está “mais fraca”, apesar de se ver mais pessoas nas ruas. Os preços não sofreram alterações: cada sardinha ou bifana custam ali 2,50 euros. A culpa, aponta Vanda, é mais do ambiente. “É de não podermos colocar música a tocar nos balcões. No ano passado deixavam, este ano já não o permitem e isso afastou as pessoas do negócio”.
Ai Mouraria! Já são duas da manhã, mas a festa não dá sinais de abrandar. A sangria e a cerveja continuam a ter muita saída. Música alta, manjericos e sardinhas decoram as ruas do arraial na Mouraria.
Afonso Cabral tem 50 anos e já vende sardinhas na noite de Santo António há mais de seis anos. Aqui, apanham-se preços mais em conta. Apesar de já ser de madrugada, ainda há sardinha a assar à venda por 1,20 euro.
“Nunca saí da Mouraria, é o meu bairro”, diz Afonso. Também ele sente que o turismo trouxe mais movimento às festas, que para ele continuam a ser uma questão de sangue. “Eu nasci e cresci aqui. Isto para mim é como se fosse uma família”.