Ainda Cristo não era nascido, já homens e mulheres se questionavam sobre o amor. Platão, por exemplo, explicava a força do fenómeno com uma célebre frase “o céu move-se por amor”. O tema tem inspirado os maiores pensadores e artistas, mas não escapou à ciência e aos estudos académicos. As gerações mais velhas viram o conceito do amor ser transformado. Por cá, passou-se a moda dos casamentos serem arranjados pelas famílias e os dramas do Eça de Queirós deixaram de fazer sentido. Se Carlos da Maia e Maria Eduarda (personagens do romance Os Maias) fossem millennials, quase de certeza que através dos amigos em comum no Facebook e da árvore genealógica disponível na internet, não correriam o risco de se apaixonar.
Por volta do primeiro de maio, na Praça Paiva Couceiro, numa conversa com quatro jogadores de dominó, senhores com mais de oitenta primaveras, comentavam com todas as certezas que a vida lhes deu: “Os jovens já não sabem amar. Não sabem o que são sacrifícios”. E foram precisamente estes os que contaram as suas histórias de amor aos jovens de agora e que lhes inspiraram o romantismo. “A minha avó apaixonou-se pelo meu avô porque o via passar todos os dias à janela. Hoje viajo a toda hora, estou sempre a conhecer pessoas, nunca sei quando e onde é que vai estar a pessoa certa para mim, se é que isso existe” escreve ao i Margarida, jovem de 26 anos, residente em Viseu. Mariana, de 25 anos, natural do Porto explica a condição da sua geração com uma metáfora: “Antigamente ias a um sapateiro. Havia pouca escolha, quando vias um par de sapatos que gostavas era amor único, era aquele. Hoje não se vai ao sapateiro, hoje temos fábricas enormes com diferentes marcas, materiais, estilos, cores, é muito mais difícil tu encontrares o par. Vais encontrar vários que te fascinem, que te sirvam, mas nunca sentes que é o tal, até porque o par dos sapateiros era feito à mão, bem trabalhado, resistentes. Estes são feitos para durar pouco e comprares uns novos daqui a pouco tempo”.
O amor é um assunto transversal a todas as gerações e esta não está longe de se preocupar com este assunto. A Universidade Harvard levantou a questão: investe-se na promoção de “sexo seguro” entre os jovens millennials, mas será que se foram promovendo os relacionamentos seguros? Em maio último, a Universidade de Harvard lançou os resultados do seu estudo “The Talk – How Adults Can Promote Young People’s Healthy Relationships and Prevent Misogyny and Sexual Harassment” em que mais de dois mil jovens entre os 18 e os 25 anos foram questionados sobre as suas formas de se relacionarem. O estudo trouxe várias respostas sobre como os millennials encaram as suas relações: “Tende-se a superestimar o impacto da cultura ‘sexo de uma noite’ e esses equívocos podem prejudicar os jovens”. As pesquisas indicam que uma grande maioria dos jovens não estão a ter sexo de uma noite constantemente, sugerindo que cerca de 85% dos jovens preferem outras opções para se relacionarem como, por exemplo, gastar tempo com amigos ou ter sexo dentro de um relacionamento sério. Contudo, de acordo com a pesquisa, adolescentes e adultos tendem “a superestimar a percentagem de jovens que se relacionam através do sexo casual o que pode influenciar outros jovens a sentirem-se envergonhados por não fazerem parte de um padrão social”.
O mesmo estudo indica que os jovens adultos não estão preparados para amar, para alimentar relações duradouras, e indica que estes desenvolvem ansiedade quando há possibilidade de as concretizar.
Marta Bateira, de 35 anos, é uma das millennials do momento em Portugal. Mais recentemente conhecida pela personagem Beatriz Gosta, que assume no seu canal de Youtube e na rubrica #Quemacreditavai da Antena 3, surgiu para dar voz às mulheres desta geração dos 20 e 30 anos, que estão mais livres em relação ao amor e à sua sexualidade. “As pessoas caem muito no erro de achar que só porque defendo que uma mulher deve fazer o que bem entender, e que pode fazer sexo à vontade sem compromisso, que isso significa que não seja apologista do amor. Mas isso é super errado. O amor é tudo.” Marta, que não se desprende do estilo de linguagem de Beatriz Gosta e da pronúncia acentuada do norte explica ao i que esta geração sabe amar, apesar de hoje em dia, todas as pessoas serem encaradas como algo descartável: “Claro que eu não gosto de estar na noite e ver que aquele rapaz está a investir em mim e que à primeira dificuldade troca para a miúda que está ao meu lado. Mas isso é outra coisa, é fruto de uma sociedade cada vez mais consumista. Amor é diferente. Amor é o dia-a-dia, o mimo, o acordar com o mau hálito do outro na nossa cara e mesmo assim continuarmos a gostar bué da pessoa. A essência não se pode perder. Acredito super no amor, é tudo na vida, e acredita que há one night stands em que também podes encontrar amor, respeito, carinho. O fundamental é as pessoas serem sinceras e honestas. Vamos comunicar, malta”.
Diferentes laços
Em Portugal, em 1975 realizaram-se mais de 100 mil matrimónios (103.125), em 2015, 40 anos depois, os dados do INE apontam para 32 mil casamentos (32.393) – entre os quais 350 entre pessoas do mesmo sexo.
Apesar de a diferença ser acentuada, a verdade é que em 2015 houve um aumento no número de casamentos: mais 915 do que no ano anterior – um aumento de 2,9%.
Viver junto antes de casar é, por outro lado, cada vez mais comum. Em 2015, 54,5% dos noivos já possuíam residência anterior comum. É uma percentagem histórica: em 2010, a fração era de apenas 44%. Já os casamentos exclusivamente pelo civil atingiram em 2015 uma fatia também sem precedentes de 63,6%.
Quem casa, casa cada vez mais tarde: as mulheres dizem o sim em média aos 33,8 anos e os homens aos 36,3 anos, com a área metropolitana de Lisboa a registar os noivos mais velhos (elas com 36 e eles com 39).