Londres. À espera de respostas

Autoridades britânicas cada vez mais pressionadas a apresentar conclusões sobre o prédio residencial londrino devorado pelas chamas a meio da semana. Número de mortos confirmados é de 30, mas ainda há dezenas de corpos nos escombros do edifício.

O incêndio de proporções monstruosas que engoliu durante quase 24 horas a Grenfell Tower – um prédio residencial de 24 andares, com 120 apartamentos, habitado por cerca de 500 pessoas e localizado na zona londrina de North Kensington -, na quarta-feira, ainda não tem uma explicação oficial.

O longo período em que o fogo consumiu o edifício danificou extensamente a sua estrutura, pelo que o mais provável é que as dúvidas continuem a suplantar as certezas, durante os próximos dias. Nesse sentido, os relatos que sugerem que as chamas tiveram origem na explosão de um frigorífico no quarto andar do prédio não passam, por enquanto, de rumores.

De acordo com a comissária da Brigada de Bombeiros de Londres, Dany Cotton, citada pelo The Guardian, estão a ser construídas «estruturas temporárias» para que as equipas de investigação possam aceder ao interior da torre. Além disso, a prioridade das autoridades ainda é o resgate das dezenas de corpos carbonizados que se acredita que estejam debaixo dos escombros, pelo que a torre está a ser vasculhada quase exclusivamente por cães farejadores.

O último balanço apontava para 30 vítimas mortais e mais de 70 feridos – 12 em estado crítico – mas as equipas de socorro não têm dúvidas: o número de mortos vai aumentar, tendo em conta a quantidade de pessoas dadas como desaparecidas e pode mesmo ultrapassar a centena. «Infelizmente este número [de mortos] vai aumentar», confirma Cotton, acrescentando que o «estado muito problemático» do edifício vai atrasar a realização de «uma busca completa ao prédio para recuperar todos os que pereceram no incêndio».

Dúvidas e suspeitas

Aos habituais relatórios que vão ser realizados pela Brigada de Bombeiros de Londres e Polícia Metropolitana, junta-se a abertura de um inquérito público, ordenada pela própria primeira-ministra. «Disseram-me que a forma como o fogo se espalhou e tomou conta do edifício foi rápida, feroz e inesperada. Por isso é necessário que tenhamos, para além do relatório imediato dos bombeiros, e de uma eventual investigação policial, um inquérito público exaustivo, para chegarmos ao fundo desta questão. As pessoas merecem respostas», disse a líder do Governo, após uma visita ao local da tragédia – por onde também passou a Rainha Isabel II ou o líder da oposição, Jeremy Corbyn -, citada pela BBC.

 A decisão de May tem especial relevância, para além do óbvio, tendo em conta as várias suspeitas que foram levantadas durante os últimos dias. De acordo com a associação de moradores a empresa responsável pela gestão do prédio terá ignorado os seus avisos – apresentados aquando das obras de remodelação do edifício, datado de 1974, terminadas em 2016 – relativos ao «agravamento do risco de incêndio» trazido pelo novo revestimento exterior, «altamente inflamável», e ao «acesso seriamente limitado» de veículos de emergência ao prédio.

Às queixas da associação somam-se ainda os testemunhos de diversos residentes que garantem que o alarme de incêndio não disparou e acusam os bombeiros de negligência, durante as primeiras horas do incêndio. Miguel Alves, um dos dez portugueses que residia na Grenfell Tower, é um dos mais críticos. «Os bombeiros e a polícia não agiram de forma rápida, não alertaram logo as pessoas para o incêndio», contou à Lusa. Na mesma linha, a sua filha Inês, explicou ao Guardian que as autoridades sugeriram que os residentes do prédio permanecessem nos apartamentos e fechassem portas e janelas. «Claramente nunca pensaram que o incêndio alcançaria estas proporções», conclui a jovem de 16 anos.

De acordo com a Secretaria de Estado das Comunidades, a família Alves e as outras três famílias de portugueses que viviam no local da tragéda «estão em segurança», incluindo os dois adultos e as duas crianças que tiveram de receber assistência médica num hospital da capital britânica.

Noite de terror

Às impressionantes fotografias e vídeos que invadiram as redes sociais durante a madrugada de quarta, mostrando uma torre negra, em chamas, destacada no meio de um bairro de casas baixas tipicamente britânicas, somaram-se testemunhos perturbadores de sobreviventes, vizinhos e bombeiros.

«Vi pessoas a saltar do prédio e um homem a atirar duas crianças», contou à BBC Mahad Egal, residente do quatro andar, entre lágrimas. Samira Lamrani, outra moradora, também assistiu a cenas semelhantes. «[Havia] uma mulher que estava a gesticular que iria lançar o seu bebé [pela janela] se alguém o pudesse apanhar. Um homem fê-lo, correu e agarrou no bebé», relatou. Uma outra testemunha, Jody Martin, confirmou aos repórteres a história de Lamrani e acrescentou que ouviu pessoas gritarem que «não conseguiam sair dos apartamentos», por haver «demasiado fumo nos corredores» do edifício. Dany Cotton confessou que o incêndio foi «o pior incidente» a que já assistiu em 29 anos de combate aos incêndios.

A catástrofe deu origem a uma enorme onda de solidariedade, em Londres. As mesquistas, igrejas e centros sociais de North Kensington e bairros circundantes foram ‘invadidas’ por doações de dinheiro, roupas, alimentos e brinquedos e o Ministério da Habitação apressou-se a garantir aos desalojados uma casa na mesma área.