Até ontem, o Presidente dos Estados Unidos fez o melhor que conseguiu para deixar claro que a investigação às possíveis ligações entre a sua equipa e os serviços secretos russos não o visa diretamente, mas sim à sua campanha. Donald Trump até podia vir dizendo que na sua perspetiva o processo é falso, não passa de uma tentativa democrata de explicar a derrota eleitoral e que está a ser conduzido por razões políticas, mas sempre tentou dividir as águas e dizer que o seu nome não estava a ser referido pelos investigadores.
De tal forma o Presidente americano tentou deixá-lo claro que pediu múltiplas vezes ao antigo diretor do FBI – que viria a despedir – que comunicasse aos americanos que não havia uma investigação com o seu nome. James Comey fê-lo relutantemente, acabou despedido na mesma, e até na carta pública que Trump lhe escreveu comunicando a demissão o Presidente americano agradecia o facto de Comey ter esclarecido que o caso russo não lhe dizia diretamente respeito. De tanto atirar à investigação, porém, Trump conseguiu o efeito contrário do que pretendia: agora, sim, o Presidente dos Estados Unidos parece estar sob investigação no caso russo. Não por ligações aos serviços secretos de Moscovo que interferiram nas eleições, mas pela suspeita de que pode ter cometido um crime de obstrução de justiça ao pedir a James Comey, quando ele ainda dirigia o FBI, que ‘deixasse passar’ a investigação a um antigo conselheiro seu, Mike Flynn – esse sim, profundamente implicado no dossier do Kremlin.
A notícia foi publicada na quinta-feira pelo Washington Post e mais tarde confirmada pelo próprio Donald Trump na sua conta do Twitter, onde ontem atacava também o procurador-geral-adjunto americano – que está a cargo da investigação russa porque o seu superior, Jeff Sessions, se viu envolvido na rede de contactos com responsáveis de Moscovo. «Estou a ser investigado por despedir o diretor do FBI pelo homem que me disse para despedir o diretor do FBI», escreveu Trump, referindo-se a Rod Rosenstein, que, é verdade, escreveu a carta que Trump usou para justificar a demissão de James Comey – embora o Presidente viesse afirmar mais tarde numa entrevista que despediu Comey pela forma como estava a conduzir a investigação à Rússia e que a decisão estava tomada antes da sugestão de Rosenstein.
O processo relativo à tentativa de obstrução de Justiça, no entanto, nada tem que ver com a carta com que Rosenstein sugeriu a demissão de Comey. O processo, segundo o Washington Post, começou esta semana pela mão de Robert Mueller, o homem sobre quem caiu a responsabilidade de liderar o comité especial da investigação às relações russas. Mueller tem em última análise que responder a Rosenstein, na sua qualidade de responsável de topo no Departamento da Justiça sobre os assuntos russos, mas Mueller tem autoridade para abrir novas investigações por si, como parece ter sido o caso. «Inventaram uma história falsa de cumplicidade com os russos, não encontraram prova nenhuma, e agora estão a tentar [tramar-me] com obstrução à justiça por causa desta história falsa toda. Boa!», lançou o Presidente.
A investigação a Donald Trump não é o único desenvolvimento do final da semana no caso das interferências russas nas eleições americanas. Também ontem foi revelado que o vice-Presidente, Mike Pence, contratou um advogado criminal preparando-se para a eventualidade de o processo o atingir. Numa nova prova de que a investigação se está a expandir, o Washington Post noticia também que o genro e conselheiro de topo de Donald Trump, Jared Kushner, está na mira dos investigadores, que analisam à lupa por estes dias os seus detalhes bancários.