Na conferência de imprensa da de ontem, que assinalou o pontapé de saída nas negociações entre Londres e Bruxelas, com vista ao abandono do Reino Unido da União Europeia, o secretário de Estado para o Brexit, David Davis, citou figuras passadas para lançar o futuro. “Winston Churchill disse um dia que o pessimista vê dificuldades em cada oportunidade [e] o otimista vê oportunidades em cada dificuldade. Colocando-me aqui entre Churchill e [Jean] Monet, sou, seguramente, um otimista determinado”.
Que os britânicos – e os europeus, diga-se – bem precisam de uma dose apreciável de otimismo para encarar as mais complexas negociações da História recente e alcançar um acordo, até março de 2019, ninguém duvida. Que o dia 1 das conversas com os representantes da organização comunitária – encabeçados pelo francês Michel Barnier, o diplomata designado pelos 27 Estados-membros que se querem manter no projeto europeu – tornaram ainda mais evidente essa necessidade vital é algo que ainda terá de maturar na cabeça dos britânicos. É que bastou apenas um primeiro contacto entre as duas partes para cair uma das bandeiras do Brexit idealizado e apregoado por Theresa May: a inclusão do relacionamento futuro entre Reino Unido e a UE no mesmo pacote das conversas de saída.
E se do lado britânico a expectativa era marcar o ritmo do jogo desde o primeiro dia, Barnier fez uso da mesma conferência de imprensa para relembrar quem está no comando da ordem de trabalhos: “O Reino Unido pediu para abandonar a UE, não o seu contrário. Portanto cada um terá de assumir as consequências das suas decisões. E essas consequências são substanciais. Por favor, não as subestimem”.
A “capitulação dos negociadores britânicos”, como lhe chamou o “Guardian”, tem ainda maior impacto do aparenta, tendo em conta que, de acordo com o testemunho de um representante europeu próximo das conversas, o encontro de anteontem foi agendado “para as câmeras”, e teve como único objetivo a “definição de um calendário”. “Ninguém esperava algo de substancial de hoje [segunda-feira]”, explicou o funcionário comunitário àquele jornal britânico, esclarecendo que as verdadeiras negociações só começarão no próximo dia 10 de julho.
A alegada resignação do governo conservador, perante o primeiro obstáculo, tem sido naturalmente debatida pela comunicação social britânica esta terça-feora, mas do lado do executivo, rejeita-se totalmente um cenário de submissão. “Não importa como começa, mas como acaba. Nada está acordado até tudo estar acordado”, defendeu Davis. “Combinámos [com Barnier] falar já sobre os direitos dos cidadãos da UE (…) e também sobre a questão da fronteira irlandesa. Portanto, da parte que nos toca, estamos a lidar com temas que estão absolutamente no topo da nossa lista de prioridades”, explicou, por sua vez, o secretário dos Transportes, Chris Grayling, citado pela BBC.
Prioridades e diplomacia
Concessões e controvérsias, à parte, o governo tory – ainda coxo, fruto da não divulgação do acordo com os unionistas norte-irlandeses – pronunciou-se hoje sobre o que pretende para o futuro do país, através do seu chancellor, Philip Hammond. Em Londres, o responsável pela pasta das Finanças lembrou que as pessoas não votaram pelo Brexit “para ficarem mais pobres” e garantiu que o executivo vai dar prioridade ao “emprego” e ao “aumento dos padrões de vida” dos britânicos.
Numa intervenção naturalmente focada nas consequências económicas do divórcio com a UE, Hammond defendeu a necessidade de fasear a saída dos acordos aduaneiros e de se criarem medidas de transição para proteger indústrias-chave. “O futuro da nossa economia está invariavelmente ligado ao tipo de acordo que alcançarmos com a UE, durante os próximos 20 meses. Vamos precisar de toda a habilidade e diplomacia que conseguirmos reunir ”, afirmou Hammond.
A começar pela própria primeira-ministra. Na quinta-feira, May junta-se aos restantes líderes políticos da União, naquele que será o primeiro Conselho Europeu pós-descalabro eleitoral do Partido Conservador. “Habilidade” e “diplomacia” não lhe poderão faltar, se quiser encarar, com o otimismo apregoado por Davis, um eixo franco-alemão reforçado, depois da legitimação de Emmanuel Macron nas eleições legislativas francesas, e pouco disposto a ceder um milímetro da posição apresentada por Barnier aos britânicos. Citar Churchill ou elogiar o primeiro presidente da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, Jean Monet, pode não chegar